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9 de julho de 2010

Microtertúlias

ntes das férias, aproveito para publicar o texto do Fred Loal, escritor e amigo, que achei que tem tudo a ver com o que costumo falar aqui no blog.
Certos escritores escrevem e deixam as costuras à mostra, então podemos enxergar as tessituras da narrativa. Outros, muitos outros, não deixam nada à mostra, assim fica difícil visualizar todas as pregas, colas e encaixes da história que se conta. Exemplos do primeiro caso: sucessos de público, como Jorge Amado, John Grisham. Do segundo caso, James Joyce, Marcel Proust. Em meados do século passado, quem escrevia assim, algo nebuloso, mental, divagoso, era muito considerado. O Nobel William Faulkner escrevia de maneira genial sem deixar translúcida para o leitor as engrenagens da narrativa. Histórias de suspense ou de terror, por seu turno, tais como as de Edgar Allan Poe, em geral deixam tais tessituras ao alcance do tato do leitor. Me parece evidente que escritores de histórias policiais e de suspense não devem apostar em narrativas muito elusivas e elípticas, por assim dizer. Não se está falando que um modelo seja melhor do que outro. Mas é que, para escritores aprendizes, creio que o primeiro grupo faz muito bem; enquanto o segundo... Bem, pode ser fatal como modelo a ser seguido. É muito fácil errar na mão e se perder em viscosa massa de idéias metidas em infinitos discursos indiretos livres num mar de introspecção... Alguém diria: a criação é magia, sô. Ao que eu responderia: mas contar histórias, não; é trabalho, e dos que deixam a gente bastante aperreado! Aliás, gostaria de saber como os poetas montam seus caldos conotativos. Fred

9 de fevereiro de 2010

Clareza e Concisão, dois dos melhores aliados de um escritor

Todo texto literário precisa ser conciso e claro, em especial aquele que pretende estar entre os poucos escolhidos por uma editora para publicação. Os conceitos de clareza e concisão, e a discussão sobre como, quando e porque utilizá-los, dariam para encher um livro, pelo que vamos apresentar aqui apenas uma visão geral sobre estes assuntos. Grosso modo, podemos dizer que clareza é a capacidade de um texto de ser facilmente entendido pelo leitor. Vamos a um contra-exemplo bastante conhecido, dois versos de nosso hino nacional:
"Ouviram do Ipiranga as margens plácidas, de um povo heróico o brado retumbante".
O trecho não chega a ser confuso, mas o uso excessivo da ordem indireta torna a frase bem menos clara para o leitor comum. Colocando na ordem direta, o sentido da frase fica bem claro:
"As margens plácidas do (rio) Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico".
Outro problema comum que gera falta de clareza é o uso excessivo de palavras pouco comuns. Um contra-exemplo excepcional é o divertido texto "Conforme o combinado", conto escrito com o objetivo de ser pouco claro, pelo colega André Luiz de Viana Barcellos: "Urge a necessidade que grassa pelo globo de uma posição ideológica neutra. Todavia, mediante as circunstâncias crônicas em que vive o mundo, torna-se inconcebível tal candura cotidiana. É deveras auferível a assaz impregnação do odor fétido-feérico que colide com tais coisas. É o odor metafórico que exalam os pecadores militantes e juramentados. Estes mambembes recalcitrantes aludem a tal situação... " etc. As palavras da abertura do conto, vistas uma a uma, não tornariam um texto incompreensível, mas quando unidas tornam o trecho difícil de ser apreendido com uma leitura rápida.
Já a concisão refere-se à capacidade do texto de dizer o que apenas precisa ser dito, apenas o que agrega valor à narrativa, e apenas isso. Um bom texto deve ser conciso em diversos níveis, começando por evitar palavras e explicações desnecessárias, e chegando às tramas, onde ações que não contribuem para a evolução da história ou para uma melhor compreensão dos personagens devem ser evitadas. Passemos a um exemplo simples, começando pela versão concisa: "Com o coração pesado, Percival viu o sol se pôr." Agora, uma versão prolixa incluiria adjetivos, apostos e digressões: "Com o coração pesado como uma pedra, sentado em uma cadeira cuja palha gasta por muitos sóis já começava a ceder, Percival, com os ombros doridos pelo esforço descomunal que fizera na construção da barraca viu o sol se por no horizonte, em matizes de dourado e rosa." Apesar de ser um consenso entre escritores que os textos devem sempre buscar a clareza e a concisão, como em tudo na literatura não existe uma regra de ouro que indique qual é o equilíbrio ideal para estas características – afinal, a poesia de um texto pode estar justamente em ferir algumas regras. Cabe a cada autor experimentar, exercitar e descobrir o seu próprio “ponto ideal”.

24 de março de 2009

Uma questão de estilo...

E
stilo, segundo entendo, é a alma do escritor, é a forma única e inconfundível como ele escreve seus textos. É como uma impressão digital: você pode até achar semelhanças entre dois estilos, mas nunca encontrará dois iguais.
Dito isto, vale ressaltar que todo escritor, principalmente os iniciantes, pode se beneficiar e evoluir seu estilo "apreendendo" o estilo de outros. Vejam que falei apreendendo, prestando atenção, e não "aprendendo", pois suponho que o estilo não é algo a ser aprendido, mas sim desenvolvido.

Apenas para dar alguns exemplos, vou tentar "simular" aqui o estilo de dois escritores que admiro bastante: Stephen King e Neil Gaiman.

A situação: À noite, um homem (que chamaremos de Neil King) dá um beijo na esposa, sai de casa e encontra um gato morto.

Versão Stephen King: Neil aproximou-se da esposa e envolveu sua cintura com o braço, dando um beijo caloroso. O beijo deixou-lhe um estranho gosto de despedida na boca, como se aquela fosse a última vez que a veria. E realmente era. O rangido da porta soou como um gemido agudo de alguma casa abandonada, embora ele tivesse novamente colocado grafite nas dobradiças no dia anterior. Do lado de fora, a lua o encarou como um olho amarelo e doentio, enquanto ele cruzava a distância que o separava da calçada. A noite estava impossivelmente silenciosa, como se o ar estivesse tão pesado que o próprio som de suas passadas não conseguisse chegar aos ouvidos. Na calçada, seus olhos foram desviados para um estranho montículo, que não estava ali quando chegara, poucas horas antes. Sua nuca se arrepiou quando viu o gato morto. Não porque estivesse morto, desde criança Neil estava acostumado a ver animais mortos na rua em frente à sua casa; mas algo estava definitivamente errado com aquele gato, algo que ele não sabia precisar. Seu estômago pesou e suas mãos começaram a suar, quando ele se aproximou do animal e descobriu que...

Versão Neil Gaiman: Neil – ou King, como seus amigos o chamavam – se moveu fluidamente pela casa, quase como uma dança, enquanto pegava suas coisas e se aproximava da esposa, na cozinha. Ela retribuiu seu beijo com aquele sorriso entre maroto e ingênuo que sempre o deixava imaginando como uma mulher como aquela havia se interessado por um cara como ele. Ainda dançando, Neil abriu a porta e saiu para a noite. Enquanto vencia a distância até a calçada, ele sentiu sobre si os olhares de mil deuses antigos, espiando o mundo dos homens através de suas estrelas particulares. Seu olhar foi atraído por um gato morto, no canto da calçada. Sem saber exatamente porque, o gato lhe lembrou Bubastis, deusa-gato que ele havia conhecido anos antes em um documentário sobre o Egito antigo. Neste momento, uma das estrelas que o espiavam brilhou mais intensamente, apenas por meio segundo, tempo suficiente para que...

Tamanho das frases, uso de metáforas, uso de palavras e referências mais ou menos usuais, voz passiva ou ativa, forma de narração, inclusão de mais ou menos detalhes, quebra dos parágrafos, concentração mais nos sentimentos e personagens ou mais nos detalhes que os envolvem... São mil os detalhes que compõe um estilo.
Releia os textos acima e tente decifrar estes elementos. Semana que vem conversamos mais! :)