19 de março de 2013

Novas Dúvidas de Escritores: Cenários, personagens, Kindle, Motivação... Novas Dúvidas de Escritores!


Costumo receber emails de escritores e comentários em posts aqui do blog com dúvidas variadas, desde questões bem específicas até questões de cunho quase filosófico que, por si sós, renderiam assunto suficiente para muitas conversas de bar ou um ou dois livros. Sempre tento respondê-las da melhor forma possível, e como sei que muitas vezes a resposta é insuficiente, coloco-me à disposição para novas questões. 
E as respostas vão se acumulando...
Desta dinâmica nasceram os posts desta série, Dúvidas de Escritores, onde reviso perguntas e respostas para que sejam úteis a todos.
Neste post há perguntas sobre cenários, personagens, erros ao publicar no Kindle e sobre como se organizar para finalmente terminar aquele livro que está na gaveta... Confira!

Questão:
Descrição é algo de que eu gosto muito. Às vezes, eu gostaria que o leitor pudesse ver as coisas exatamente como eu vejo, mas obviamente eu sei que isso é impraticável. A grande questão para mim é: o que fazer quanto a isso? Descrições demais ou de menos? Refiro-me aqui apenas a descrições de cenários, já que me saio bem com as descrições de personagens.
Questão: Alguma dica para melhorar minhas chances em concursos literários?

Resposta: Escreva bem. Apenas 5% ou 10% dos textos que chegam aos concursos têm qualidade - mas dentre estes é sempre uma loteria...
Resposta: Hoje em dia poucos autores abusam das descrições.  Aqueles longos e belos textos falando sobre a paisagem, a luz que entra pela janela, a poeira que flutua no ar, as fímbrias das cortinas que lembram a intermitência dos destinos dos personagens e coisas do gênero precisam ser utilizadas com parcimônia, pois de outra forma não só os leitores acharão a obra “chata”, como os editores irão torcer o nariz, caindo por terra sua chance de publicação.   É como se diz em alguns cursos de graduação em storytelling nos Estados Unidos, “a melhor forma de dizer que um gato é preto é: ‘o gato é preto’”.                  
O cenário precisa ser descrito o suficiente para alimentar a imaginação do leitor, mas não o suficiente para entediá-lo; o que exatamente isso significa vai depender de muitas coisas, e varia de autor para autor, então você precisa achar o seu equilíbrio particular no assunto. De repente, você pode escrever longas descrições e ser um grande sucesso, se você acredita no que faz, não se limite!

Questão:
Minha questão é sobre a personalidade dos personagens e a construção de conflitos que gerem drama, suspense ou até mesmo o terror; acho bom o uso de alguns transtornos, que, julgo eu, tornam os personagens mais singulares e de melhor profundidade. Assisti alguns filmes para melhor entender, mas sempre julguei um assunto muito complexo, então estou atrás de mais pesquisas. Já selecionei alguns livros, mas agradeceria se você pudesse dar algumas dicas, como por exemplo falando sobre as técnicas que você usa para construir os seus personagens.

Resposta:
O assunto realmente é complexo e não há uma fórmula pronta ou uma orientação única sobre o assunto, o lance é pesquisar mesmo. Eu particularmente gosto muito dos livros do Stephen King, acho que seus personagens são bastante bem trabalhados e ele tem uma capacidade incrível de gerar suspense. Seguem algumas técnicas que percebi que ele usa em seus livros, e que de vez em quando aproveito nos meus:
  • Fazer suspense estragando o suspense. Por exemplo: “Ele olhou para trás e admirou sua esposa uma vez mais, como se fosse a última vez que fosse vê-la. E realmente era.” Nesta brincadeira, o leitor sabe que algo vai acontecer com um dos dois personagens, mas não sabe o quê, o que gera tensão.
  • Excesso de detalhes, tornando a narrativa mais lenta em momentos de tensão. Por exemplo: “A porta se abriu lentamente, com um longo gemido das dobradiças antigas, até que deixar a luz do corredor iluminar a escada que descia. O cheiro de coisas esquecidas subia da escuridão abaixo, junto com um outro cheiro, levemente adocicado, que ela não reconheceu naquele momento. Hesitou por um instante, mas sabia que não tinha escolha: se queria descobrir o que realmente acontecera, precisaria descer.”
  • “Colorir” suas frases com expressões e adjetivos que falem ao subconsciente do leitor como coisas que causam medo ou desagrado. É o “longo gemido das dobradiças antigas”, a “lua amarelada que sobe no horizonte como um olho doente de um antigo deus”, o “cheiro adocicado e enjoativo que sobe do porão”, e por aí vai.
  • Trazer coisas familiares para o meio do ambiente/da situação incomum. Por exemplo, um sujeito que entra em um cinema abandonado e sinistro de repente reconhece o cartaz de um filme que já viu.
Isso quanto ao “ambiente”. Quanto ao personagem, concordo com você que personagens com transtornos têm potencial para ótimas histórias. Quanto a este ponto, a melhor dica é: lembre-se de que em cada cena o narrador “narra” o que é visto/sentido/ouvido pelo personagem principal da cena, ou seja, se o personagem principal da cena está triste ou com medo o “tom” do narrador é bem diferente do que seria com um personagem feliz.  Se não entendeu bem isso, recomendo que leia os livros da série "As crônicas de Gelo e de Fogo", de George R. R. Martin, que são uma verdadeira aula a este respeito!
Pois bem, imagine, então, um personagem com percepção alterada da realidade: o narrador vai narrar o que ele vê, e não a realidade em si. A partir daí, é a sua arte de fazer o leitor ver o mundo pelos olhos do personagem!
Outra dica de leitura, que pode ser boa ou não (não li...), é o livro “Uma Mente Brilhante”, que conta a história de um gênio matemático esquizofrênico. O filme baseado no livro é (em parte) contado do ponto de vista do personagem, então coisas que ele vê como reais parecem reais no filme; se o livro for nesta linha provavelmente será bem interessante.

Questão:
Devo criar primeiro os personagens e inserir sem seus cenários, ou criar os cenários e imaginar os personagens daí?

Resposta:
Se eu falar que "depende" você vai ficar com muita raiva? ;)  A meu ver, isso é uma coisa muito particular de cada autor.
Agora, se é para dar uma resposta mais objetiva, eu diria que você cria os personagens e a trama mais ou menos em paralelo, e o "cenário" por último. Digo isso porque quando você define os personagens, você irá pensar não só as características de cada um, mas também suas metas, e é do conflito entre as metas do protagonista e do antagonista que nasce a trama. Um personagem sem um objetivo leva a um livro sem história, simplesmente não dá.
Eu diria que o cenário pode ser incluído por último pois os mesmos personagens e a mesma trama podem acontecer em cenários variados. Por exemplo, um personagem cujo objetivo é "vingar a morte de sua esposa amada" pode ser um índio lutando contra cowboys nos velho oeste americano, ou pode ser um ex-astronauta lutando contra a corrupção que infesta uma colônia da Terra em alfa-centauro, ou um gari que luta contra o crime organizado de um morro no Rio de Janeiro. Entende? O cenário completa e dá vida à trama, e pode até aparecer antes dos personagens, mas acredito que o usual é que ele apareça aos poucos à medida em que a trama e os personagens vão sendo detalhados.

Questão:
Acho que tenho um grande defeito, geralmente tenho uma ideia sobre algo pra escrever, me empolgo e depois de algum tempo, abandono. Estava dando inicio a uma 4ª historia e deixei de lado.

Resposta:
Pelo que vejo sua maior dificuldade é manter o ânimo, o pique com cada ideia. Isto é muito comum em escritores que não organizam o rumo da historia antes começar a escrever, pois você só consegue conhecer a história que já passou, e como não tem um ideia precisa de como ela irá se desenvolver, isso aos poucos vai minando sua animação.                  
Há várias formas de se organizar para evitar este tipo de problema; vou apresentar a que talvez seja a mais simples de se realizar, sem que você precise se aprofundar muito na questão de técnicas de organização de histórias.  Vamos lá: 
  1. Uma vez que você tenha tido uma grande ideia, ao invés de sair escrevendo, você primeiro vai elaborar um pouco mais a ideia em sua cabeça, pensando nas situações que irão ocorrer no livro, sequencialmente.  Elabore mentalmente seu livro até que você tenha uma ideia mais ou menos precisa de como o livro começa (qual o primeiro parágrafo a ser escrito?  Não se descuide dele, é o parágrafo mais importante do livro!), de como ele termina  (é essencial saber como a história termina antes de começar a escrevê-la!) e alguns pontos de conflito durante a evolução da história.
  2. Escreva um “super-resumo” das ações que ocorrem em seu livro, um parágrafo para cada parte da história que você pensou - pode pensar nisso como um parágrafo para cada futuro capítulo.  Pode até mesmo ser uma frase por (futuro) capítulo, o importante é que você registre todos os principais pontos da história de uma forma que você lembre o que havia pensado para a trama, em cada ponto.
  3. Terminada esta fase, você deverá ter algo entre 3 e 10 páginas escritas com pequenos parágrafos separados por linhas em branco.  Neste ponto, sua história já vai estar bem mais madura, e você vai perceber que algumas coisas não se encaixam, há buracos que precisam ser preenchidos, etc.  Faça exatamente isso: reveja estes parágrafos e os complete, ajuste, troque de ordem, crie novos, apague outros, atpe que você esteja satisfeito com a história que irá escrever.
  4. Agora sim, comece a escrever. Lembre-se de que os parágrafos que você escreveu não são um trilho, mas sim uma trilha que o guia no rumo da história, e como tal você tem liberdade para ir modificando sua história conforme ache necessário.  Agora, se você quiser mudar que vai impactar fortemente a história dali para frente, pare e reveja e ajuste todos os parágrafos dali para frente, ou você corre o risco de perder o rumo e a motivação novamente.  
Basicamente, é isso.  Acredito que “ter um rumo” ajude bastante na motivação, pelo menos para mim isso funciona bem.

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4 comentários:

Anônimo disse...

Excelente, Alexandre!

Estou ansioso por mais posts desta série. Gostei particularmente das dicas sobre organização geral da história e da inspiração no mestre King.

Eu também já enfrentei o dilema de criar personagens ou cenários primeiro. Na verdade, minha dificuldade era ainda maior, pois ainda havia o acréscimo de ter quase todo o enredo detalhado em minha cabeça.

Daí a dúvida terrível: trabalhar os detalhes do enredo, os personagens (protagonistas, antagonistas, coadjuvantes) ou a ambientação, com todo o contexto, histórico, geografia?

Normalmente eu dava atenção à ambientação; reunia um bom acervo de material sobre o qual trabalhar, mas, na cisma de deixar tudo bem amarrado, eu dispendia esforço demais. Com o tempo, meu interesse pelo enredo e pelos personagens era minado e tudo acabava sendo esquecido.

O mais irônico é que muita coisa elaborada para ser o pano de fundo sequer seria fundamental para a história ou para o destino dos personagens. O drama chegava ao cúmulo de ter todo um histórico sobre, digamos, uma grande fortaleza antiga apenas para que esta fosse citada uma única vez.

Hoje fico muito atento quanto a isso, embora ainda não possa afirmar que esteja 100% curado. :P

Abraços,
T.K. Pereira – o Escriba Encapuzado
_________________________________
http://escribaencapuzado.wordpress.com/
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mateus disse...

muito bom o post, Alexandre. pra falar a verdade, eu estava começando a achar que você tinha abandonado o blog XD. Parabéns e continue com esse ótimo site.
Se me permite dar uma sugestão sobre um futuro post:
esse "resumão" que você falou é de fato muito importante. Aqui no blog,ja li alguns posts que falavam sobre isso, mas seria interessante algum dia você dar um exemplo disso sabe? uma espécie de desconstrução de história, mostrando como fica. um post onde seria pego uma historia (qualquer uma) e então ir desconstruindo ela numa forma de resumo.
em fim, acho- sei -isso seria um tanto trabalhoso, mas mesmo assim, fica a dica. ;)

Alexandre Lobão disse...

Oi Mateus,
Boa ideia, vou fazer um post assim mais para frente, assim que eu terminar alguns que estou "devendo". Não será tçao trabalhoso, pois posso usar um que já tenho pronto para meus livros.
Obrigado pela ideia e pela força!

Alexandre Lobão disse...

Oi T.K.,

Valeu pelo comentário, pode ter certeza que MUITA gente passa exatamente pelos mesmos dilemas que você. O problema é que não existe "forma ideal" ou correta de trabalho, cada escritor é um mundo e precisa descobrir qual é a forma que funciona melhor para ele.
[]s