26 de novembro de 2020

Como começar a escrever um livro?

Bom, vou começar com a má notícia: Apesar do que você pode ter ouvido por aí, não existe uma fórmula!

Se você perguntar a cem escritores como é seu processo criativo, você muito provavelmente receberá cem respostas diferentes. Para piorar, a mais comum (e frustrante) resposta sobre o processo criativo é “não tenho processo criativo”, “sigo minha inspiração” e coisas do gênero, que não ajudam muito quem está começando.

 Como se aprende a escrever livros?

A verdade é que boa parte dos escritores aprende a escrever lendo. Subconscientemente, a cada leitura, ele vai entendendo como funciona a organização geral das tramas de uma história, como é que os personagens aparecem e evoluem, como se constroem os diálogos, como aumentar e diminuir o ritmo de leitura etc.  Uma conclusão lógica, mas que sempre vale a pena reforçar, é esta: Se você quer ser escritor, comece sendo um leitor. Quanto mais você ler, melhor vai dominar os “truques da arte”.

Desnecessário dizer que é essencial que você escolha com cuidado o que vai ler. Sobre isso, vale o conselho de Francine Prose, que em seu livro “Para ler como um escritor” destaca como você pode aprofundar sua capacidade de observação, ao ler, para entender e saber usar melhor as técnicas utilizadas pelos grandes mestres:


“Eu percebi que quanto melhor o livro que estou lendo, mais inteligente eu me sinto ou, pelo menos, me sinto mais capaz de imaginar que, algum dia, poderei me tornar mais inteligente.” 



Obviamente, ainda que não exista uma “fórmula de como escrever um livro”, há muitas técnicas que ajudam o escritor a organizar seu trabalho para tirar o máximo de seu potencial.  

 E não precisa ter medo: estudar técnicas de escrita não vai "acabar com sua espontaneidade", "atrapalhar sua inspiração" nem "engessar sua forma de escrever", como temem alguns colegas - muito pelo contrário!

Vamos fazer uma analogia para ficar ainda mais claro: não há uma fórmula de como pintar um quadro. Há muitos pintores que seguem sua intuição e, apenas com isso, tornam-se bons pintores, às vezes até revolucionários. Mas há poucas dúvidas hoje de que uma formação acadêmica em Artes Plásticas ajuda os pintores a tirarem o máximo de seu potencial, ao estudarem História da Arte, Perspectiva, Figura Humana, Luz e Sombra, Teoria das Cores e muitas outras matérias associadas.

Um bom exemplo disso é o pintor Pablo Picasso, que começou como autodidata, mas mais tarde se inscreveu na escola de artes La Lonja e na Real Academia de Belas Artes de San Fernando, e muitas vezes ia ao Museu do Prado para copiar obras de grandes mestres, em busca de aprender suas técnicas.  Após dominar todas as técnicas que se lhe apresentavam, seguiu por uma linha de quebrar todas as regras que aprendeu e revolucionou toda a arte da época como um dos fundadores do cubismo e inventor de uma série de novas técnicas para produção artística. O fato de ele ter estudado as melhores técnicas que havia em sua época na área de artes plásticas não acabou com sua genialidade; na verdade, potencializou-a e permitiu que ele atingisse o máximo de seu potencial.


Seguindo com a analogia, imagine que você é um pintor e deseja começar um novo quadro. Muito provavelmente você não vai se colocar em frente à tela em branco e sair jogando tintas, esperando que algo apareça daquele caos (a bem da verdade, há uma minoria de pintores e escritores que fazem exatamente isso. No caso dos escritores, é o que é chamado “escrita intuitiva”, eu gerou muitos contos e alguns romances no início do século passado. Se você não esta neste grupo, pode continuar lendo! ).

 Da mesma forma, ao iniciar um livro, independentemente de seu processo (ou de achar que “não tem processo”) o escritor procura ter uma ideia do que vai escrever, de quais personagens vão fazer parte da história, qual os desejos destes personagens e quais grandes conflitos vão atrapalhá-los na realização destes desejos, etc.

O que é importante pensar antes de começar a escrever?  

Nesta linha, detalho a seguir alguns dos pontos que você deve pensar para ter uma visão geral de sua obra, de uma forma mais estruturada:

  • Universo da obra: Onde (em que país, cidade, bairro, o quanto for possível detalhar) sua história se passa? Em que época? Ela se passa no mundo real, ou há algo diferente ou especial no universo da história? Se for este o caso, quais são as regras que regem esta parte diferente do seu universo?
  • Status quo: Como é parte do universo mais diretamente relacionada aos personagens principais: Como é sua rotina, seu dia a dia? Onde vivem? Qual sua classe social? Em que trabalham? Como são afetados pelo governo, religião, etc?
  • Protagonista e sua meta: Quem é o personagem principal de sua obra? Quais suas características psicológicas e físicas? Qual é o seu grande desejo na vida, o que o move? Mais especificamente, qual é a sua meta na história, o que ele pretende atingir que, uma vez atingido (ou tornando-se impossível de atingir...) a história termina?
  • Antagonista e sua meta: Quem é o personagem cujas metas se interpõe no caminho dos objetivos do protagonista? Elabore, para este personagem, tudo o que você elaborou para seu protagonista. Adicionar um protagonista humano ou humanizado ajuda a criar tensão psicológica e emocional; vejam-se os exemplos dos filmes Tubarão (onde o antagonista é um prefeito que não deseja fechar a praia para não perder o dinheiro dos turistas) e Twister (onde uma equipe que busca informações meteorológicas sobre furacões, um grande desafio em si, precisa ainda enfrentar a competição de outro grupo com mesmo objetivo, mas desleal...).
  • Conflito que vale uma história: O conflito nasce naturalmente do choque das metas do antagonista e do protagonista, mas é importante você pensar especificamente sobre ele. O conflito realmente vale uma história? O leitor vai se importar com os personagens, vai querer saber o desfecho de seu conflito? 
  • Trama e pontos de virada: Com todos os pontos anteriores bem definidos, a história já começa a se delinear melhor em sua cabeça.  Para concluir esta etapa, o ideal é pensar na trama e imaginar quais são os pontos em que haverão "viradas", ou seja, os momentos em que o personagem principal precisa mudar de estratégia, precisa mudar sua linha de ação, seja porque foi forçado a isso, seja porque percebeu que o que fazia não levaria ao resultado esperado. Quando você consegue pensar nestes pontos de virada, a trama se desenha muito mais facilmente em sua cabeça.
Após pensar em cada um destes pontos, o "quadro que você vai pintar" já estará bem esboçado, e com esta ideia geral em mente fica muito mais fácil não só começar, mas também não criar uma história que fique dando voltas e nunca chegue a um fim.

Como fazer para planejar melhor o livro, antes de começar a escrever?

Caso você queira ir mais fundo, detalhar melhor este esboço antes de começar, uma ferramenta muito útil é a produção de uma sinopse

A ideia da sinopse também é simples: escreva um resumo de sua história, em algo entre meia página e cinco páginas, contando tudo o que vai acontecer. Uma grande vantagem da sinopse é que, além de lhe oferecer uma visão consolidada de todos os pontos anteriores, ela permite que você valide, antes de começar a escrever, se aquela é realmente uma história que vale a pena ser contada - ou se é melhor retornar ao início e reelaborar seu planejamento.

Por fim, caso você seja daquelas pessoas que gosta de planejar até mesmo suas férias, você pode criar um outline.     

O outline é mais que um resumo, é a descrição de cada uma das cenas de sua história. Trata-se de uma descrição breve, uma linha para cada cena, sem diálogos, descrições, nada do tipo. Por exemplo, "João encontra com Maria, mas se apaixona pela amiga dela, Tereza" pode virar uma cena de 2.000 palavras contando todo o drama interior de João naquele momento. Lembre-se: o outline é uma ferramenta para você, não para o leitor, então não precisa ser claro para mais ninguém exceto você.

Ao fim deste trabalho, você terá uma lista com dezenas ou poucas centenas de linhas, umas poucas páginas, e a história totalmente definida. Basta, agora, escrever, lembrando que se no correr da escrita você tiver uma ótima ideia que muda o rumo da história, basta volta e reescrever seu outline, sem medo de ser feliz!  

22 de novembro de 2020

Como usar cliffhangers e jump cuts para acelerar a leitura de seu livro

U

m dos maiores desafios dos escritores na atualidade é manter o leitor interessado, da primeira à última página.

Não que isso já não fosse importante para as gerações anteriores de escritores, o problema é que temos agora toda uma geração que foi criada, ou se adaptou rapidamente, às redes sociais e à conexão contínua com a internet. 

Cada vez mais as pessoas estão preocupadas em "lacrar", em entender ou resumir tudo em poucas palavras, em julgar (e divulgar) artigos longos apenas pela manchete, em não perder uma hora com algo que possa ser apreendido (mesmo que imperfeitamente) em 2 minutos. Isso é algo tão forte que estudos recentes mostram que a capacidade humana média de manter a atenção em algum post da internet diminuiu sensivelmente nos últimos anos, sendo hoje menos de 5 segundos.

Neste contexto surreal, como esperar que o leitor continue prestando atenção em seu livro?

Para isso, é essencial que o escritor estude sempre, domine pequenos truques da arte que ajudam a acelerar a leitura de sua história.

Como acelerar a leitura de um livro?

Há muitas formas de acelerar a leitura de seu livro, das mais complexas, que demandam atenção desde a organização inicial da trama, às mais simples, que podem até ser aplicadas após a escrita, durante seu processo de revisão.

Dentre as mais complexas está a criação de arcos de mudança de personagem instigantes, onde a transformação do personagem em resposta ao impacto dos problemas da trama é precisamente calculada para despertar a empatia do leitor. Para isso, além da definição aprofundada do personagem, antes do início da escrita, é importante pensar nas suas dicotomias, suas incertezas, suas falhas, pois é justamente isso que permite que o leitor reconheça no personagem alguém vivo, pulsante, que precisa - e efetivamente consegue - superar suas próprias dificuldades interiores para conseguir vencer os obstáculos que aparecem.

Ainda dentre estas mais complexas está a organização da trama de forma a atingir um crescente de ritmo e tensão no correr da obra. Para isso, é importante pensar nos pontos de virada da trama, onde o personagem muda de estratégia para tentar superar os problemas e chegar ao seu objetivo - e garantir que cada mudança gera mais atrito, mais dificuldades. Por exemplo, se no princípio o personagem segue em frente na investigação de um mistério por curiosidade, depois segue por interesse em conseguir algo, depois por necessidade de provar algo ou ajudar alguém, e ao fim para salvar a própria vida. 

Quanto às formas mais simples de acelerar a trama (no sentido de que podem ser realizadas mesmo após a obra estar escrita), podemos citar a organização da história em capítulos curtos e a revisão de parágrafos e frases para que tenhamos frases de no máximo 50 palavras, se tanto, e parágrafos que não ultrapassem sete linhas após a diagramação.  Sei que isso parece até simples demais, mas ajuda imensamente na velocidade de leitura média!

O uso de diálogos também acelera muito a leitura, então ao revisar procure oportunidades para distribuir os diálogos no correr da história.

Além disso, na etapa da revisão, é essencial cortar TODOS os excessos: de informação, de diálogos sem rumo ou propósito, de cenas que não levam à trama adiante nem servem para aprofundar um personagem etc. 

Mas há duas ferramentas que costumo chamar de "truques sujos", porque são muito fáceis de usar e, em contraste, geram um impacto imenso na tensão e na velocidade de leitura: Os cliffhangers e os jump cuts.

O que são e para que servem os cliffhangers 

Vamos começar com uma explicação bem simples sobre os cliffhangers, do escritor Dan Brown:


Cliffhangers se referem a não contar a alguém alguma coisa... e criar uma parada antes da resolução na narrativa, seja simplesmente terminando um capítulo mais cedo, ou colocando um gancho (como uma pista que o personagem estará em outro continente no dia seguinte) para manter o leitor interessado” 


É difícil ser mais claro que isso, então vamos a dois exemplos :
Terminar a cena antes da resolução: João, correndo atrás do assaltante, percebeu que ele tinha pulado a cerca do circo. Sem hesitar, atirou-se grande acima e, ao aterrissar do outro lado, continuou a perseguição para dentro da tenda principal. Assim que entrou na tenda, parou ao ouvir uma gritaria e pessoas correndo em sua direção. Assombrado, viu que um leão avançava em sua direção e, antes que conseguisse esboçar uma reação, o animal deu um bote em sua direção. 
    Uso de gancho: João se despediu de sua namorada como sempre fazia, com um beijo rápido e um sorriso. Ao subir no ônibus, voltou-se para trás e acenou, mandando mais um beijo de longe. Mal sabia que em poucos minutos sua vida mudaria para sempre.
    Perceba que, ao suspender a ação antes de sua conclusão, no momento mais tenso, ou dar uma pista de que algo imponderável iria acontecer em breve, você desperta fortemente a curiosidade do leitor, e isso vai fazer com que ele pule rapidamente para o próximo capítulo. Se você construir duas tramas paralelas, ambas terminando com cliffhangers, o leitor simplesmente não conseguirá largar seu livro, gerando o efeito que os estadunidenses chamam de "page-flipper": livros que o leitor fica passando as páginas rapidamente.

    O que são e para que servem e os jump cuts

    O termo jump cut vem da área de produção audiovisual e se refere a um corte abrupto no correr de uma cena, que a leva a uma próxima, geralmente similar ou conectada à primeira, mas que ocorre algum tempo cronológico depois.
    Apesar de não ser utilizada muito no cinema, esta técnica pode ser particularmente útil quando integrada com os cliffhangers, de forma a cortar de sua trama trechos longos que não agregam valor à história.
    Obviamente que é uma técnica que precisa ser utilizada com parcimônia, mas quando bem usada pode ajudar muito na etapa de cortes.  
    Voltemos ao primeiro exemplo sobre cliffhangers: se a história é de suspense e mistério, e a briga de João com o leão não é importante (pelo contrário, pode adicionar um elemento de ação e tensão forte no meio do história que iria desbalancear a sua trama), o próximo capítulo poderia iniciar assim:
    - O que aconteceu? Onde estou?
    - Ah, o senhor acordou? O leão o derrubou e você desmaiou com o impacto no chão, mas não sofreu nenhuma lesão maior. Você teve muita sorte. 
    "Sorte nada. O ladrão levou a única lista que eu tinha!" 
    Perceberam? Simples assim!

    Uma dica final: O livro "O Código da Vinci" de Dan Brown é uma ótima referência de estudo sobre estas duas ferramentas: não leia o livro inteiro, apenas os primeiros os últimos parágrafos de cada capítulo, para perceber como o autor usa estas ferramentas de forma magistral para gerar o máximo de tensão possível. 

    E você, alguma dúvida ou dica para aumentar a velocidade de leitura e a tensão da história? Compartilhe!



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    11 de novembro de 2020

    Por que escrever um livro? E como escrever uma biografia?

    á muitos motivos para se escrever um livro, por isso vou começar este artigo com uma frase do maravilhoso escritor brasileiro Lêdo Ivo:


    “Uns escrevem para salvar a humanidade ou incitar luta de classes, outros pra se perpetuar nos manuais de literatura ou conquistar posições ou honrarias. Os melhores são os que escrevem pelo prazer de escrever.” 


    Por que escrever um livro?

    Há aqueles que querem escrever um livro para se tornarem uma referência em sua área. 
    Faz sentido: se você vai escolher, digamos, entre duas professoras da dança, e souber que uma delas tem um livro na área, provavelmente você será tentado a escolher a que escreveu o livro.

    Há quem deseje escrever um livro para ganhar honrarias, conquistar posições, "se perpetuar nos manuais de literatura", como diz Lêdo Ivo. No fundo, escrevem para alimentar o ego. 
    O que também é uma motivação válida, tanto que há psicólogos que sugerem a escrita de diários como forma de fortalecer a autoestima e clarear suas ideias e objetivos de vida.

    Nenhuma motivação, a meu ver, vai bater aquela que vem do mais íntimo do seu ser: Escrever pelo prazer de escrever. Quando você escreve porque gosta, porque precisa disso para ser feliz, então suas palavras soam verdadeiras e vão direto ao coração do leitor.

    No entanto, há outra motivação igualmente profunda, irmã desta, que é a vontade de escrever uma biografia de alguém que se admira.

    Não são poucos os escritores em início de carreira que me procuram buscando dicas sobre como escrever uma biografia. Muitos querem contar sua própria história de vida, passar adiante as informações valiosas sobre como superaram a doença ou uma limitação física, a morte de um ente querido, ou uma vida inteira plena de dificuldades. Outros querem contar a história da mãe, a primeira caminhoneira do Brasil, o avô que foi recruta na Segunda Grande Guerra, a tia que criou do nada um movimento que transformou a vida de muitos necessitados.
     

    Há ferramentas para se escrever biografias?

    E então? Quando escrevi A Bíblia do Escritor, meu pensamento sempre foi voltado para a criação de livros e roteiros de audiovisual de ficção. Os mesmos conceitos se aplicam para biografias? Meditando sobre isso, encontrei esta frase do escritor e poeta britânico Michael Rosen:

    “... é impossível escrever a história completa e verdadeira de qualquer coisa. Sempre deixamos algo de fora. Muitas vezes, colocamos coisas a mais. Algumas vezes, não interessa o quanto tentemos evitar isso, mudamos coisas. Contamos a história da nossa própria forma, que pode não ser da mesma maneira que outra pessoa contaria.” 


    Se realmente contar uma história é questão tanto de conteúdo quanto de forma, cheguei à conclusão que muitas das ferramentas que explico no livro podem sim ser aplicadas à escrita de biografias, algumas integralmente, outras de forma adaptada.

    Algumas ferramentas para escrever biografias

    Vejamos algumas das ferramentas que podem lhe ajudar, de maneira bem objetiva, a escrever a biografia que você deseja:
    1. Definição da premissa: Todo livro de ficção começa com uma premissa, que entre outros elementos inclui o local, data, condição social etc. do personagem, e seu objetivo, o que ele busca atingir até o fim do livro. Da mesma forma, elabore isso para seu biografado, em especial o "objetivo de vida". Este objetivo vai direcionar toda a escrita da obra, pois deve transparecer nas ações do biografado e, eventualmente, aparecer em seus diálogos. Busque reforçar objetivos fortes, que conquistem o leitor. E lembre-se: mesmo que para o biografado estes objetivos não estivessem claros no início de sua vida, ficaram claros à medida em que ele foi vivendo, o importante não é ser 100% fiel a cada segundo da realidade (o que, já vimos, seria impossível de qualquer forma), mas contá-la de modo a empolgar o leitor.
    2. Definição dos personagens: Mesmo que o protagonista seja você mesmo ou alguém que você conheça profundamente, sempre há "personagens" de apoio, pessoas que participaram ativamente da vida do biografado. Crie um mapa mental para cada pessoa e um que retrate os relacionamentos entre todos, e conforme a necessidade de cada personagem, crie fichas com os dados pessoais, relacionamentos, características físicas ou psicológicas etc. porque isso servirá como referência importante no momento da escrita.
    3. Estruturação da trama: Ao escrever ficção, elaboramos os pontos de virada (PDV) de forma a criar um efeito de ritmo e tensão crescentes. Os PDV são aqueles momentos em que a vida obriga o personagem a mudar seu rumo - ou em que o personagem, por si só, decide que precisa mudar de vida. Ora, o mesmo conceito serve para as biografias: ao começar a se organizar para escrever, anote primeiramente os PDV da vida do biografado. Assim que estes momentos estiverem definidos, anote os momentos mais importantes, entre um PDV e outro, que você deseja contar. Na sequência, elabore os momentos de conexão ou outros momentos significativos. Seguindo esta estratégia, você vai terminar com uma lista de todos os momentos que você gostaria de contar em sua biografia, de forma cronológica, o que lhe permitirá ter uma visão completa da história e, com isso, se organizar melhor para escrevê-la. Além disso, esta abordagem evita que você se perca escrevendo milhares de detalhes sem importância que, de outra forma, poderiam tornar a narrativa maçante e gerar desmotivação porque você não vê a história evoluindo.
    4. Reorganização da trama: Uma vez definido o outline, esta lista com todos os pontos a serem contados, você deve revisar a trama e pensar qual a melhor forma de contar a história. Começar com o nascimento do biografado faz sentido? Ou é melhor começar por um momento super importante, como uma conquista excepcional ou a própria morte, e a partir daí retornar ao princípio? O que deve ser contado de forma sequencial, e o que pode aparecer como flashback (cenas do passado, contadas no presente) ou backstory (comentários do narrador ou diálogos onde o passado é parcialmente revelado)? Lembre-se que seu objetivo é tanto contar a história como manter o leitor interessado para que ele leia a história.
    5. Filtros de revisão: Os filtros de revisão são um bom exemplo de uma ferramenta que pode ser utilizada integralmente. Por exemplo:
      • Corte de informações: Ao revisar, corte tudo o que for "explicação" e que não colabore para aprofundar o biografado ou levar a história adiante.
      • Uso de flashbacks e outros similares: A ideia é usar o framing para reforçar a saída e entrada no flashback, sempre a partir de um elemento similar. Por exemplo, se um cheiro leva à memória que inicia um flashback, um cheiro traz as reflexões de volta ao presente.
      • Uso de Cliffhangers: Também nas biografias é importante deixar o leitor em suspense! Termine cada capítulo lançando algo que deixe o leitor curioso, seja começando a contar algo que se passou, seja deixando no ar que algo importante está para acontecer.
      • Uso dos sentidos: Vá além da descrição visual dos fatos, com um ou outro diálogo ou som importante: nos momentos mais tensos ou expressivos, em que o leitor precisa imergir mais na narrativa (à custa da diminuição do ritmo), reforce o paladar (mesmo que seja "um gosto de derrota na boca), o tato, o olfato e a intuição (o sexto sentido).
    O assunto é amplo, mas espero ter dado pelo menos algumas ideias para quem deseja iniciar um empreendimento deste tipo - e é claro que fico à disposição para responder dúvidas específicas, como sempre!       

    E você, tem alguma ideia ou dica para quem está pensando em escrever uma biografia? Compartilhe!



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    6 de novembro de 2020

    Quanto tempo demora para escrever um livro? E qual o tamanho ideal?

    E

    ste assunto merece ser iniciado por um trecho do (maravilhoso) livro "A Verdade sobre o caso Harry Quebert", de Joël Dicker:

    "- Harry, de quanto tempo precisamos para escrever um livro?

    - Depende.

    - Depende de quê?

    - De tudo."

    Para simplificar, vamos limitar um pouco este universo: falemos sobre romances para jovens adultos e adultos, ou roteiros de audiovisuais de longa metragem. Escrever livros infantis, por exemplo, é uma arte totalmente diferente, e com tempos totalmente diferentes - basta dizer que o incrível escritor e ser humano Jonas Ribeiro já passou dos 200 livros escritos, e ainda com muitos a anos de escrita pela frente.

    E para simplificar ainda mais, vamos falar especificamente sobre o ato de escrever em si, em oposição ao ato de terminar o livro, que envolve todo o tempo e esforço para pensar na ideia, pesquisar, organizar a trama, criar os personagens etc., antes de começar a escrita; e a parte de realizar as múltiplas revisões direcionadas que precisam ser realizadas após o término da primeira versão. 

    Apenas para dar alguma ideia sobre estas etapas, a maioria dos escritores com quem conversei gasta mais tempo antes e depois de escrever do que efetivamente escrevendo. E aqui vão as primeiras dicas: 

    • Estabeleça prazos e metas para suas pesquisas e organização, para não correr o risco de ficar na etapa preparatória para sempre. Pesquisar é viciante, planejar as tramas e aprofundar os personagem idem, e o escritor desavisado muitas vezes gasta muito mais tempo que precisaria nisto.
    • Crie uma lista de revisões a serem realizadas, uma de cada vez ("Cortar descrições / informações desnecessárias", "Revisar diálogos do protagonista", "Incluir participação do personagem de alívio cômico após momentos mais tensos", "Incluir sentidos (tato, olfato, paladar...) nos momentos que demandam maior imersão do leitor") e se atenha a ela. Escritores muitas vezes relutam em dar sua obra por concluída, adiando este momento indefinidamente, e definir esta lista ajuda a evitar isso.
    Sobre esta questão da duração antes e durante a escrita, vale a pena conhecermos uma frase de John Irving, romancista e roteirista "oscarizado":

    "Há muita ignorância sobre quanto demora para escrever um romance. Há muita ignorância sobre quanto tempo o romance fica na sua cabeça antes de você começar a escrevê-la" 


    Tirando-se da conta os tempos de planejamento e revisão - estes, sim, dependem de "tudo" - o que resta é uma questão simples, como explicado por Neil Gaiman :

    "Você senta na frente do teclado e coloca uma palavra depois da outra, até terminar. Simples assim, difícil assim" 


    Mas... Se escrever um livro é "só" isso, como posso (antes de escrevê-lo) medir seu tamanho e saber quanto tempo demorarei para terminá-lo? 

    Como medir o tamanho do livro

    Para dar alguns exemplos concretos, vou mostrar alguns números de alguns de meus livros:

    Livro

    Páginas

    Palavras

    no Word

    no livro impresso

    O Nome da Águia 

    (ed. Novo Século)

    287

    319

    73.500

    O Nome da Águia

    (ed. Franco)

    287

    283

    73.500

    As Incríveis Memórias de Samael Duncan

    (ed. Bagaço)

    140

    229

    46.500

    Uhuru

    (ed. LGE)

    43

    98

    15.500

    Uhuru

    (ed. Franco)

    43

    76

    15.500

    Veja bem: Fazendo as contas dos exemplos acima, os livros após editados variaram entre 158 e 260 palavras por página. Além disso, o mesmo livro publicado por editoras diferentes acaba saindo com uma grande variação do número de páginas (mais de 20% em alguns casos).

    Disso tiramos umas primeira lição importante: você não deve avaliar o tamanho de seu livro pelo número de páginas, mas pelo número de palavras

    Qual o tamanho ideal para um romance?

    A partir da tabela podemos também ter uma noção aproximada do tamanho dos livros: um livro com 73.500 palavras terá algo em torno de 300 páginas (ou seja, um livro grande, que pode assustar possíveis editoras porque será mais caro); portanto se seu livro passar de 50.000 palavras, pode contar que uma das demandas iniciais da editora será cortar uma boa parte dele. O que é ótimo, porque sempre que você corta, o que resta é a essência da história, mais interessante e impactante.

    Não é que exista um "tamanho ideal", mas esta noção de tamanho é muito importante, porque muitos escritores chegam a mim com livros de 100.000 palavras ou mais e não têm noção de que é demais, para um autor que esteja em início de carreira e procurando editoras.  

    E quanto tempo demora para escrever um romance?

    Sobre este assunto, vale muito a pena ver o que diz o escritor de ficção científica estadunidense Walter Jon Williams:

    "O tempo que se demora para escrever um livro depende de seu tamanho" 


    Parece simples demais? Sim, parece. Mas é verdade. Se você se organiza para escrever, já tem os personagens bem definidos, a trama bem elaborada, todas as cenas definidas, é tudo questão de lembrar a matemática do primeiro grau e calcular o tempo que se leva para terminar o livro a partir da sua produtividade e da quantidade média de palavras de cada cena.  

    Para isso, digamos que após organizar as tramas do livro você chegou a um total de 100 cenas. Com sua rotina de trabalho bem definida (outro requisito importante para quem ser escritor profissional), escreva algumas cenas, entre 5 e 10, e a partir daí verifique o número de palavras total e o tempo que você levou para escrevê-las.  A partir disso, é possível extrapolar o tempo que você irá levar para concluir a primeira versão do livro.  

    Por exemplo, se você escreveu 10 cenas (de um total de 100) em 15 dias, e o total de palavras chegou a 7.000 palavras, então você deverá demorar  15 x 10 = 150 dias para terminar seu livro, e ele ficará com aproximadamente 70.000 palavras.

    Se você acha que isso é "viagem", digo que não é: faço isso com todos meus livros, e todas as vezes que consegui entregar livros no prazo (já são 24 no total, sendo pelo menos 10 encomendados com prazo por alguma editora) é justamente porque fui capaz de calcular o tempo e tamanho aproximados do livro.

    Caso você não planeje, "saia escrevendo" após definir personagens. ambiente e conflito (e você não está só: Stephen King e outros nomes de sucesso têm um processo similar a este), ainda assim você conseguirá ter uma boa ideia do tempo total que vai levar para terminar seu livro de acordo com sua evolução diária e a ideia (ainda que vaga) do tamanho que seu livro terá.

    Sabendo projetar tempo e tamanho do livro, o que fazer agora?

    Ainda melhor do que saber o tamanho e o tempo para terminar um livro seria saber como, e quanto tempo demora, para se escrever um bom livro. 

    Sobre isso, podemos nos fiar no sábio conselho do escritor franco-britânico W. Somerset Maugham:   


    "Existem três regras para escrever ficção. Infelizmente, ninguém sabe quais elas são" 


    Brincadeiras à parte, o que posso dizer quanto à qualidade do que se escreve é que, como em toda profissão, nada substitui o estudo e a prática. 

    Estude, pratique sempre, persista. Um dia você irá perceber que as coisas começam a fluir mais fácil, os caminhos parecem mais claros, as portas se abrem para você.

    Neste momento, faça como eu: ajude quem está começando, porque você já vai ter a correta dimensão do tanto que coisas simples como estas têm o potencial de atormentar quem está no início da carreira.

    Mantenha a corrente do bem! 

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