Dia 12 de abril descobri, não sem alguma surpresa, que havia sido agraciado com o primeiro lugar no Concurso Alan Viggiano de contos, promovido pelo Sindescritores.
Minha primeira reação foi a de sentir a cabeça nas nuvens e o mundo de cabeça para baixo.
A segunda reação foi pensar que cancelariam minha premiação caso descobrissem que minha primeira reação foi expressa em clichês tão batidos!
Penso que estes momentos, para além da comemoração, devem servir para refletirmos sobre a profissão da escrita.
Já fui jurado de muitos concursos literários, o suficiente para saber que ficar em primeiro lugar é quase uma loteria: Por mais que a banca julgadora tente ser objetiva, sempre o gosto pessoal acaba tendo um peso grande. Dizer que uma história bem escrita é “melhor” do que outra no mesmo nível é sempre algo muito subjetivo.
Ainda assim fiquei com a impressão de que, neste caso específico, eu soube porque meu conto foi escolhido. E, confesso, tudo começou com um erro!
Fazia um bom tempo que eu não participava de concursos e, como todo bom “iniciante” cometi um erro crasso. Um erro que, por acaso, acabou servindo como uma valiosa lição e provavelmente me rendeu o primeiro lugar: Eu não prestei atenção no limite de tamanho imposto pelas regras.
Empolgado com o tema do concurso, dei asas à imaginação, fugi dos clichês e escrevi 5.000 palavras. 11 páginas.
Muito feliz com o resultado, fui conferir o edital do concurso para formatar o texto conforme o esperado. Ao passar os olhos rapidamente pelas regras, verifiquei que o limite eram 2.000 palavras.
Apavorado com o tamanho dos cortes necessários mas sem outra saída, cortei, cortei, cortei e cortei.
Nunca tinha passado pela experiência de cortar 60% de um texto, e confesso que foi um grande aprendizado.
Quando finalmente terminei o doloroso trabalho, retornei ao edital apenas para descobrir que minha memória tinha me traído: não eram 2.000 palavras, mas sim 2 páginas. Loucura: eu precisaria cortar o texto novamente pela metade!
Neste momento, foi inevitável lembrar d’O Lutador de Drummond:
Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
Assumindo como minha a coragem dele, repeti com ele:
Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
Então, novamente, cortei, cortei, cortei e cortei.
Cheguei às duas páginas.
Retornando pela última vez ao famigerado edital do concurso, que tanto já me fizera sofrer, descobri que ainda havia uma última provação a cumprir em minha jornada do herói: espaçamento entre linhas de 1,5 e as margens maiores do que as de meu texto.
Imbuído da força de quem já cumpriu a maior parte da jornada, ainda que o esforço final me parecesse impossível, consegui cortar o correspondente a seis linhas de texto que haviam se deslocado para a página seguinte.
Quando terminei, encarei o texto com medo de que o corte de 84% (!) das palavras o tivesse tornado irreconhecível. Ele, impassível, olhou-me de volta. Decifra-me e devoro-te.
Palavra a palavra fui vencendo as linhas, como quem o lesse pela primeira vez, e qual foi minha surpresa ao perceber que não só o texto se sustentava, mas toda a emoção que eu havia tentado prender entre as letras ainda estava ali.
Eu havia cortado não apenas a carne até o osso, mas também os ossos, membros, muito do que eu acreditava ser parte essencial no texto… Apenas para descobrir que o que sobrou foi o coração da história, ainda pulsante em minhas mãos. Algo onde cada palavra brilhava, onde cada sentido era essencial ao sentimento, onde mesmo as aliterações eram músicas escondidas, esperando apenas o leitor para se libertarem.
Como falei no início do artigo, não acredito que em concursos literários o primeiro lugar seja melhor que o segundo ou o décimo, é tudo questão de gosto dos jurados. Por isso e por favor, não pensem que estou enaltecendo o que escrevo. Estou enaltecendo os cortes!
Meus melhores trabalhos são justamente aqueles que tive que cortar mais, normalmente por imposição da editora.
Não recomendo a ninguém que corte mais de 80% de qualquer texto, como foi o caso, a menos que seja à guisa de aprendizado.
Mas acredito firmemente que todo texto precisa sofrer cortes de no mínimo 15%.
Se você quiser fazer seu texto brilhar, chegue aos 30%.
Uma coisa eu prometo: você não vai se arrepender!