a esteira do crescimento
econômico pós-guerra, nos Estados Unidos dos anos 50, apareceram diversos
fenômenos como o baby-boom, a caça aos comunistas e os
cursos graduação em Storytelling (que poderia ser traduzido
livremente como "contação de estórias". Estes últimos, obviamente,
são os que nos interessam. No Brasil, se você deseja se profissionalizar como pintor ou escultor, busca uma universidade ou um curso técnico de formação em Artes Plásticas. Se você deseja ser músico, há uma universidade de Música, bem como cursos de graduação em Artes Cênicas para quem deseja ser ator ou atriz. E se você deseja ser escritor? Não, não me fale em cursos de Letras, que tem obviamente seu valor, mas cujo objetivo nunca foi formar escritores! Estes cursos de Storytelling são justamente isso: formação acadêmica e profissional para quem deseja se tornar um escritor; com toda a bagagem que isso implica, desde a formação em história da literatura até técnicas de produção de textos, as mais variadas. Desde então, lá se vão cerca de 60 anos de aperfeiçoamento destes cursos, e isto se reflete na qualidade de muitas obras internacionais de ficção, que dominam as vendas nas prateleiras das livrarias brasileiras. | ||
E no Brasil? No Brasil, as oficinas de criação literária começaram a aparecer a partir do fim da década de 1970, quando Raimundo Carrero voltou dos Estados Unidos e trouxe uma série de conceitos inéditos para os escritores daqui, ampliando horizontes de todos os alunos de suas excelentes oficinas. Nos anos 80 e 90 a coisa foi se popularizando, e hoje toda grande cidade tem pelo menos um escritor que apresenta estas “oficinas”, algumas excepcionalmente boas, outras (eu sei, já vi, não adianta mentir...) sofríveis, cheias de clichês de auto-ajuda para escritores e com muito pouco conteúdo técnico, que possa realmente ser utilizado para profissionalizar a escrita. Além disso, houve diversas iniciativas para criação de cursos de graduação para formação de escritores, algumas com sucesso, outras que infelizmente desapareceram no tempo. | “Eu digo f$%@-se o velho
ditado 'Mostre, não conte'. Isso é chamado de CONTAÇÃO de
estórias por uma razão, e vou me ater a ela!” Ashly Lorenzana, escritora americana de livros adultos | |
Mas estou realizando digressões. O que queria falar hoje é
justamente sobre o mantra "mostrar, não contar" que muitos de vocês
já devem ter esbarrado em oficinas e palestras por aí. O problema é que o “mostrar x contar”, que era um dos motes dos anos 70, uma “novidade” trazida à época para cá, tornou-se meramente uma frase de efeito, um clichê que foi tão repetido que perdeu seu significado original. Apenas para ficar claro, “mostrar” é você relatar a ação, com diálogos e as “coisas” acontecendo efetivamente. “Contar” é relatar algo como alguém relata o que leu em um livro: sem entrar em detalhes, listando pontos, descrevendo a ação de maneira geral, quando muito. Vejamos um exemplo para ficar mais claro: quando você fala que “João cortejou Maria por duas semanas sem que ela percebesse, até que decidiu fazer algo”, você contou o que João estava fazendo. Por outro lado, se você fala algo como “Como em todos os dias nas duas semanas anteriores, João passou pela frente da mesa de Maria e deu-lhe seu melhor sorriso, acompanhado de um “Bom dia” tão meloso que Ademir, o diabético que sentava ao lado, imediatamente abriu seu estojo e sacou a insulina, com medo de uma crise hiperglicêmica. E, como todos os dias, Maria respondeu-lhe com um bom-dia polido, frio, sem levantar os olhos do monitor. Mas desta vez seria diferente, pois João, cansado daquela rotina, trouxera sua arma secreta: enfiando a mão no bolso, sacou um sonho de valsa.”, aí você está mostrando as ações de João. Obviamente muitas das ideias de 1970 ainda são válidas, mas os livros de hoje são BEM diferentes dos livros daquela época. O escritor atual sabe que o contar é tão vital quanto o mostrar, o importante é achar o equilíbrio adequado para dar o ritmo certo a cada trecho do livro, e da obra como um todo. Perceba que com o “contar” é possível resumir grande parte da ação, agilizando a leitura mas deixando-a mais superficial, enquanto o “mostrar” torna a leitura mais lenta, mas mais interessante. Não dá para fazer um livro todo “lento e interessante”, só mostrando, nem todo “ágil e superficial”, só contando; o equilíbrio destes dois depende do autor e do livro, é uma parte da “voz” do autor, e só é adquirido com o exercício contínuo da leitura e da escrita. É importante contar quando você deseja acelerar a trama, ou quando você quer esconder algo: por exemplo, listar rapidamente todos os presentes em uma sala é uma forma de contar, e se no meio desta listagem estiver o criminoso procurado, o leitor nem vai reparar. É importante mostrar quando você quer destacar algo, envolver mais o leitor ou diminuir a velocidade da trama. Uma boa dica para aumentar a tensão ou a emoção nos momentos de "mostrar" é procurar trabalhar os 6 (seis, mesmo) sentidos do personagem: o sentimento fica mais que claro, e o leitor se envolve mais, se você descreve como o personagem vê, cheira, sente o gosto (ou imagina sentir), toca ou imagina a textura das coisas, escuta e “sente” (no sentido de percepção instintiva ou extrasensorial, por exemplo, “ele sentiu que havia algo de errado”). Quando você/o narrador escreve uma cena cujo ponto de vista é de um personagem masculino, e nesta cena você ressalta as qualidades de um personagem feminino, seu cheiro, a forma como seus cabelos ondulam, o brilho de seus lábios etc, o leitor vai perceber que ele “tem uma quedinha” por ela. Não precisa narrar o sentimento, até porque se torna desnecessário - mostre ou conte, mas nunca deixe de confiar na capacidade do leitor de entender sua mensagem. |
E você, indica alguma oficina ou curso de formação para escritores? Como
você ressalta o mostrar e o contar em seu livro? Participe e compartilhe
suas ideias!
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