Vejam, boa parte do que falo aqui no blog serve para qualquer 'tipo' de livro de ficção: diálogos, dicas de revisão, ritmo, leitura crítica, mercado, estrutura da cena, ponto de vista, e muitos etc.
No entanto, recentemente estive revisando as dicas sobre premissa estruturada, pontos de virada e estruturação da trama, e percebi que embora possa ser utilizadas em qualquer caso, as histórias centradas em personagens (em contraste com as centradas na trama) se enquadram melhor com alguns ajustes.
| Quando falo de premissa estruturada em meus workshops, eu apresento para os participantes os elementos que devem estar presentes na premissa: O status quo (onde e quando a história se passa), a apresentação do protagonista, a apresentação do antagonista e os objetivos de cada um - que, invariavelmente, levarão ao conflito que faz a história ir em frente. | “O gato deitou no tapete" não é o começo de uma história, mas "o gato deitou no tapete do cachorro” John le Carré, escritor britânico |
Obviamente, a existência de um antagonista faz a história crescer em ritmo e aumenta a ansiedade (e o interesse) do leitor em saber o que ocorre com o personagem principal.
No entanto...
No entanto, já perdi a conta de filmes belíssimos que vi, e livros maravilhosos que li, onde o antagonista simplesmente não existe.
Em histórias onde o foco é o personagem, a premissa pode ser uma pergunta muito mais aberta, restrita à apresentação do status quo, do protagonista e de algo que quebra sua rotina.
O conflito, que sempre é o coração da história (veja a frase de John de Carré no box deste post...), precisa existir. Mas não precisa ser um conflito com outro personagem. Em histórias centradas no personagem, o conflito pode ser simplesmente algo que mexe com o cotidiano ou as certezas do personagem, colocando-o em uma situação de exceção - que não necessariamente se resolve ao fim.
O filme francês Asphalte, por exemplo, é composto por pequenas histórias de pessoas comuns que têm sua rotina abalada por fatos mais ou menos relevantes - desde a chegada de uma nova moradora, uma ex-atriz que amplia os horizontes culturais de um garoto local, até o insólito caso de um astronauta americano que aterrissa por engano no teto de um prédio, e que leva uma senhora local a precisar hospedá-lo enquanto a Nasa procura um disfarce para esconder a falha que o levou ali.
Pensando de maneira aberta, podemos imaginar que a idade, a doença, a quebra da rotina que leva o personagem para fora de sua zona de conforto, o novo elemento que faz o personagem refletir sobre sua vida até aquele momento seriam os "antagonistas" destas histórias.
No entanto, a existência de um antagonista externo, um personagem que constantemente desafie o personagem e dificulte a sua vida, é algo que tem um poder incrível na definição do ritmo da história. O mais difícil no caso deste tipo de histórias centradas em personagens é justamente criar uma premissa - e, a partir dela, toda uma história - que se sustente sem este elemento.
O "segredo" - e só digo "segredo" porque também o é para mim, uma vez que não consigo ver uma "fórmula" para que isso aconteça - é criar personagens com quem o leitor se importa. Personagens que geram empatia, que, por si sós, deixem o leitor curioso o suficiente para continuar lendo.
Dois exemplos extremos, a meu ver, e que
podem ajudar a entendermos melhor este tipo de história, são os protagonistas
dos filmes
O
Curioso Caso de Benjamin Button e
Peixe Grande, que mostram
não vidas comuns, mas (pedaços de) vidas maravilhosas. Não há antagonistas,
exceto, talvez, o tempo, e terminamos o filme com a sensação de querermos ter
visto mais, ansiosos, mesmo, por rever o filme para conhecer um pouco mais
aqueles personagens incríveis. Há muitos anos que eu tinha a pretensão de escrever algo assim - inclusive mencionei a premissa do que seria o futuro "As Incríveis Memórias de Samael Duncan" (lançado em agosto de 2016 pela Bagaço Editora) no post Primeiras coisas primeiro: Por onde começar a escrever seu romance, cujo foco também é a premissa da história. Apesar de confiar na história, só tive a certeza de que "acertei o ponto" quando, ao conversar com Priscila Barbosa, a capista e ilustradora, ela mencionou que tinha gostado tanto do livro que após terminar de lê-lo leu de novo - e depois, mais uma vez. A capa e as ilustrações ficaram maravilhosas, mas o maior presente da Priscila para mim foi este comentário!
O segredo de criar personagens que interessam ao leitor?
Já publiquei alguns posts sobre personagens, mas este 'detalhe' ainda é um mistério para mim.
Eu os escrevo como se fossem pessoas reais, pessoas pelas quais me importo, pessoas que amo.
E isso parece funcionar.
E
você, o que acha que faz diferença na criação de um personagem? Comente e compartilhe com os
colegas!
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