Atendendo a pedidos, retomo o assunto com uma dica mais, digamos, "profissional", para aprofundar o assunto. Mais especificamente, vou falar sobre a técnica do "palco", que pode ser usada para aumentar o suspense ou para gerar uma emoção crescente no leitor, começando com dicas sutis que evoluem de forma crescente até algo explícito.
Para entender melhor esta técnica, imagine que a forma como você escreve
a história cria um "palco" na mente do leitor, como se fosse um palco de
teatro onde ele observaria a história se desenrolando. O palco tem diversos níveis de profundidade, e quanto mais perto do leitor, mais o leitor se lembra de "ter visto" (ou lido, no caso) a cena em questão. |
“No palco criado por sua história, o que está em primeiro plano se ressalta. Coloque no fundo os detalhes que quer esconder do leitor.” |
E como fazer isso? A forma mais simples de fazer isso é simplesmente dar mais destaque, dar falsas pistas e escrever mais sobre o que será a distração, que assim vai parecer mais chamativa ao leitor. Esta técnica é conhecida como "Red Herring", ou "arenque vermelho": algo que se destaca do cardume. Se você fala inglês, veja um pouco mais sobre isso no artigo da Wikipedia sobre Red Herring. Basicamente, neste caso, estamos falando de um palco criado pelo conteúdo que você escreve, e que tem duas profundidades: O arenque vermelho e todos os demais arenques.
O maior "segredo", no entanto, é como fazer isso de forma eficaz, na maneira como você escreve, indo além do conteúdo. Com a forma você consegue quatro "níveis de profundidade" no palco:
- Primeiro plano: Ações. O que o personagem FAZ fica marcado fortemente na memória do leitor.
- Segundo plano: Diálogos. O que o personagem DIZ fica marcado na memória do leitor, mas um pouco menos do que suas ações.
- Terceiro plano: Narração. Quando o narrador MOSTRA a história acontecendo, descreve algo, isso fica menos marcado na memória do leitor que os diálogos.
- Quarto plano: Listas. Quando o narrador CONTA o que aconteceu, sem mostrar, usualmente na forma de uma lista de acontecimentos que decorreram em outro lugar, ou mesmo uma lista de objetos ou personagens envolvidos em algo, o leitor irá lembrar menos ainda.
Para tornar mais clara esta técnica, vejamos um exemplo:
Digamos que você deseja escrever uma cena onde um detetive se aproxima do local de um crime e precisa passar por uma multidão. Você quer que o detetive "esbarre" no criminoso durante esta passagem, mas não quer que isso fique explícito para o leitor.
- Quarto plano: O detetive se aproxima do local do crime, e vê que a multidão é composta por curiosos de todos os tipos: um jovem negro com um skate na mão, uma senhora beirando os oitenta anos, com um chapéu com penas, um homem engravatado com uma mochila vermelha nas costas, uma freira encurvada sobre um terço...
- Terceiro plano: O detetive entra na multidão e avança passo a passo. Pensando que o criminoso sempre retorna ao local do crime, começa a observar se alguém se destaca. Vê um sujeito com uma barba espessa esticando o celular acima da multidão, tentando tirar uma foto do cadáver.
- Segundo plano: Quase chegando à grade de contenção colocada pela polícia, o detetive para alguns momentos à frente de um cadeirante para observar a multidão. O cadeirante reclama: "Com licença, o senhor poderia chegar um pouco para o lado?". "Me desculpe, não percebi que estava bloqueando a vista. Já estou saindo".
- Primeiro plano: Ao tentar chegar perto do portão, o detetive pisa no pé de um homem alto e gordo. O grandalhão o empurra de encontro à grade. "Ei, mermão, qualé a sua? Quer chegar por último e ficar na área VIP? Sai da frente!". O detetive coloca a mão no casaco para sacar o distintivo e o homem segura seu pulso com força, dizendo: "Você não é louco de puxar uma arma no meio da multidão, é?". O detetive responde que é da polícia e vai mostrar o distintivo, e o outro libera sua mão, pedindo desculpas.
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