12 de julho de 2011

Revendo cenas e alguns erros comuns


 conceito de cena ainda confunde muitos escritores, mesmo aqueles experientes mas que não estão acostumados a escrever seguindo uma estrutura mais organizada.
Uma cena é, trocando em miúdos, a menor unidade de um livro que tem um sentido completo; é o "átomo do livro".
Assim como o átomo, a cena também possui uma estrutura bem definida.  Um átomo tem um núcleo composto por prótons e nêutrons, e uma nuvem de elétrons que o circunda.  A cena... Bem, o caso da cena é um pouco mais complicado.  Leia cinco livros a respeito, e você encontrará cinco definições diferentes para a macroestrutura da cena - isso sem contar a microestrutura, que detalha como as frases de organizam, como se encadeiam, etc. 
Independente da quantidade de definições, o importante para a coerência de um livro é que o autor encontre uma definição com a qual se sinta à vontade e siga ela em todo o livro. Esta constância na estrutura das cenas dá à obra um ritmo que, sem pensar em cenas, é difícil de ser atingido.
Já falei um pouco sobre cenas neste post, então o que eu queria reforçar era o conceito da cena em si. O que, afinal, é uma cena?
A melhor forma de entendermos a ideia da cena é buscarmos, mais uma vez, a analogia com os filmes. 
Como em um filme, a cena em um livro é uma unidade dramática, onde algo acontece e os personagens reagem a este algo.  Ação e reação, simples assim. 
"Na literatura de entretenimento, ou 'comercial', todos os componentes da cena precisam estar explícitos. Na alta literatura, não. O explícito é incompatível com o metafórico"James McSill, coach literário e cirurgião de textos (registrado durante um de seus cursos)
O mais importante, no entanto, é termos a consciência das limitações de uma cena, para evitarmos erros comuns.  Uma cena só é uma cena se tiver apenas
um ponto de vista, apenas um protagonista, apenas um tempo, apenas um lugar (a menos que o ponto de vista seja móvel), apenas um problema (ou conjunto de problemas muito correlatos) e apenas uma solução ou um aprendizado
(abro parêntesis para propor um exercício: na próxima vez que assistir a um filme, tente contar quantas vezes a câmera é obrigada a trocar de ponto de vista por cinco minutos. Cada vez que a visão da câmera "pula" de um lado para outro, é porque temos uma nova cena. Tente prestar atenção nisso, e prometo que você vai se surpreender com a quantidade de cenas nestes poucos minutos de filme.)
Resumindo, para ficar ainda mais explícito:  Se mudar o protagonista, muda a cena.  Se mudar o ponto de vista, muda a cena.  Se mudar o problema, muda a cena. E assim por diante.
Parece uma coisa boba, até simplista, mas são justamente estes pontos onde encontro a maior quantidade de erros quando leio originais.
Apenas dois exemplos de erros em cenas para clarear - ou complicar - suas cabeças:
  • O protagonista conversa com um personagem de apoio.  A cena mostra o pensamento do protagonista, deixando claro que o ponto de vista é dele. Depois, na mesma conversa, é mostrado o pensamento do personagem de apoio... Ora, se a cena é vista do ponto de vista do personagem principal, como o leitor "escuta" o pensamento do outro?
  • A cena mostra um franco atirador.  Ele se prepara para atirar, procura o alvo, que é uma executiva bem arrumada, que cheirava a Chanel 5.  Opa! Se o ponto de vista é do atirador, como ele consegue sentir o cheiro da personagem, à distância?
Quer dizer que não posso mudar o meu ponto de vista à vontade?  Não posso colocar dois ou três obstáculos em uma cena? 
Na verdade, no resultado final a que o leitor terá acesso tudo é possível, até porque é possível incluir uma cena dentro de outra, e a partir daí criar organizações altamente sofisticadas para o livro. Mas lembro que a cena não é o texto final, a cena é apenas um estrutura um pouco mais detalhada que irá orientar a sua escrita.  Se você escreve as cenas de forma bem organizada, sem erros, mesmo que depois você as misture o leitor irá perceber que a lógica está toda ali, o texto está todo amarrado, trabalhado como um diamante com faces demais para serem contadas, mas nunca um diamante bruto.
No texto final tudo é permitido, o que não é permitido é criar um texto com erros que saltam aos olhos dos leitores mais atentos, por não saber como escrever e organizar as cenas no processo de pré-criação da obra.  Parece radical? Pode ser, mas TODO escritor faz isso, mesmo que inconscientemente, e se você pode fazê-lo conscientemente, poupa esforço e ganha em qualidade.  Detalharemos e exercitaremos este conceito no Workshop de Escrita de Ficção.
Por fim, um pedido aos colegas que têm blogs: ajudem a divulgar o Workshop de Escrita de Ficção, promovido por mim e pelo experiente oficineiro Oswaldo Pullen.  As inscrições já estão abertas, visite o site Escrita Criativa e garanta sua vaga!  

Gostou?  este post!

8 comentários:

Lucas Vitoriano disse...

Obrigado essas dicas sobre cenas são muito boas, simples mas muitas vezes não pensamos nisso e criamos grandes erros, eu gosto muito de escrever, porem não consigo terminar nada que começo, não sei se é porque sou exigente demais comigo mesmo e sempre acho que meus textos estão um lixo e desisto logo no inicio ou se é porque sou tão exigente e não consigo deixar "a coisa fluir". Ficaria muito agradecido se você pudesse me dar algumas dicas quanto a este problema, obrigado.

Anônimo disse...

Alexandre eu tenho uma dúvida.
Comecei a escrever meu livro há pouco tempo e tenho certa dificuldade ainda com, digamos a passagem de um narrador para o outro.
Eu gosto de escrever em primeira pessoa, e gostaria de saber como eu faço para descrever ou não descrever essa quebra de primeira, segunda ou terceira pessoa ao estar narrando minha estória.

Alexandre Lobão disse...

Oi "Anônimo",

Esta questão da mudança das narrativas merece um post... Estou de férias, mas assim que retornar escrevo algo mais detalhado sobre o assunto, ok? Fique de olho!

Anônimo disse...

Olá,

Conheci seu blog essa semana, e já li boa parte... estou gostando muito.

Sobre a mudança das narrativas, é um assunto que também me interessa bastante. Pois é uma dificuldade que tenho.. não só na mudança em si de narrador, mas no tempo e pessoa que cada narrador usa... me perco um pouco nisso. :-(

Saudações!!!

Graziella disse...

Tenho muito a aprender. Estou feliz por encontrar alguém disposto a dividir seus conhecimentos e experiências.
Parabéns por seu trabalho. Obrigada!

Alexandre Lobão disse...

Eu é que agradeço pelo interesse de vocês... Acho que a vida só vale à pena de passarmos para frente o que aprendemos. Há espaço para todos!

fun disse...

Valeu pelas dicas... Mas e se eu escrever um livro em terceira pessoa, ainda posso mostrar o pensamento dos outros personagens em cena???

Alexandre Lobão disse...

Oi "fun",
Aí é que vem a arte da coisa: com base no PDV, você vai, digamos, "descobrir" estas emoções.
Tire pela sua experiência pessoal: como você reconhece a emoção das outras pessoas, se não sabe o que lhes passa pela cabeça? Incluindo referências auditivas como o tom de voz alterado, detalhes visuais como olhos úmidos ou pequeno tremor nas mãos, e mesmo táteis como sentir a pele mais seca ou mais úmida do outro, você além de enriquecer a narrativa você MOSTRA ao leitor as emoções, ao invés de contar sobre elas.