az algum tempo que deixei de realizar leituras críticas, pelo menos oficialmente, recebendo por isso. Ultimamente o que consigo fazer com o pouco tempo de que disponho é ler trechos de algumas obras e trocar umas ideias com o autor, por telefone mesmo, para economizar o tempo que eu levaria para escrever tudo o que tenho a dizer de cada obra. Esta abordagem resolve um dos grandes problemas da leitura crítica: o grande tempo despendido para produzir um laudo profissional sobre o trabalho de um outro autor. Normalmente, além do tempo de ler e rabiscar todo o original que estou avaliando, que já não é pouco, gasto pelo menos uma semana escrevendo o laudo, dando exemplos de questões a serem resolvidas dentro da obra, explicando problemas e buscando sempre que possível dar alguma ideia de como podem ser resolvidos. E no pique que estou de preparar cursos, revisar meus originais, trabalhar para vendê-los a editoras e ainda me arvorando a aceitar pequenos trabalhos para produzir roteiros de quadrinhos e obras audiovisuais, infelizmente não tenho como dispor de tempo para produzir relatórios com este grau de profundidade. | |
O outro problema que me levou a abandonar as leituras críticas oficiais, e que não há como resolver, é que por vezes os originais são gratas surpresas, mas em outras os problemas estão tão entranhados na obra que o único conselho verdadeiramente sensato seria "jogue tudo fora e comece de novo". Neste ponto eu me sinto como um agente literário ou um editor, ou pelo menos como um que se importe com os sentimentos do autor. Como equilibrar os conselhos sensatos e necessários com a necessária dose de otimismo, de forma a não desanimar totalmente o autor iniciante? Com raras exceções, todo escritor acredita que seu trabalho é uma obra prima, revolucionária e admirável ou pelo menos que tem algo de original que irá saltar aos olhos de um editor ou agente literário e imediatamente convencê-lo de que merece ser publicado. | “Uma vida bem vivida demanda que cada um pergunte a si mesmo: vale a pena? As dores de cabeça valem pela superação; a desolação é compensada pelas conquistas, a angústia é equilibrada pelo júbilo? E quem sabe? Talvez os momentos de desespero amargo sejam aqueles que, no futuro, serão nossas memórias mais caras“ Umair Haque, Autor, economista e consultor da universidade de Londres. |
Infelizmente esta crença raramente se reflete na qualidade da obra. A maioria dos originais que chegou às minhas mãos não precisava apenas de poucos ajustes, mas sim de uma remodelagem completa, com mudanças na trama e nos personagens que seriam complexas ou mesmo impossíveis de se fazer.
A isso se alia um outro grave problema que não é da categoria de escritores, mas de todo ser humano: é raro encontrar alguém que aceite críticas de maneira construtiva e que, efetivamente, utilize os conselhos para melhorar sua obra. Houve casos em que eu explicitamente falei a um autor para cortar uma cena que não agregava valor à história e, pior, soava antiquada e fora de contexto em relação às demais, e o autor simplesmente disse que "aceitava minha opinião, mas gostava da cena e a deixaria ali mesmo". Desculpem-me, mas não entendo as motivações de uma pessoa que paga por um conselho e depois o ignora. Talvez, quem sabe, pagou-me apenas para ouvir que sua obra era maravilhosa, e se decepcionou com a resposta... De qualquer forma, vamos adiante. Sem querer desanimar ninguém - mas já desanimando - vou me arriscar a contar a feia verdade: a vida de escritor não é fácil. Se o choque de realidade não foi suficiente, então deixe-me ser ainda mais explícito: Você precisa escrever muito, sem parar, para aperfeiçoar seu trabalho. Você realmente precisa rever seu livro diversas vezes, cortando sua própria carne e jogando fora muitas das partes que lhe pareciam boas à primeira vista. O júbilo de concluir um trabalho é contrabalançado pelo desespero de ter outros dois ou três já concluídos dentro da gaveta, esperando respostas de editoras. O tempo que se gasta escrevendo um livro, desde a ideia inicial até a última revisão antes de dar a obra por concluída é longo, de muitos meses, por vezes anos, e é um tempo extraído da família, dos amigos, ou pelo menos das horas de assistir televisão ou de sono que você teria caso não estivesse escrevendo. Ninguém fica rico ou famoso no primeiro, nem no segundo, nem no quinto livro; e não poucos publicam dezenas de livros e nunca são convidados para um bate-papo com a Ana Maria Braga ou são entrevistados pela Veja. Depois de publicar o primeiro livro por uma editora, publicar o segundo não necessariamente é mais fácil. E se você não tiver uma plataforma, pode ser que nem o terceiro, nem o quarto, nem os seguintes fiquem mais fáceis. E por aí vai. Será que o esforço vale à pena? E, afinal, o que quero com este post? Desanimar a todos? Longe disso. Só quero chamar todos à reflexão. Se você escreve, pergunte a si mesmo: O que o motiva a escrever? É para perpetuar seu nome? É para ter uma segunda renda, visando um dia viver só de escrever? É para influenciar os rumos das novas gerações? É claro que há muitos motivos nobres para se escrever, mas para mim só há uma resposta válida, só há uma motivação que leva o autor a escrever com a certeza de que será plenamente atendida, sem frustrações e desilusões: Escrever pelo prazer de escrever. Se você é destes que escreve porque gosta de escrever, porque algo dentro de si não se aquieta enquanto você não o coloca no papel; se você é um destes que têm ideias borbulhando tanto na cabeça que só se sente em paz quando as registra, então meus parabéns: você é um verdadeiro escritor, mesmo que não tenha escrito nem uma linha em sua vida. O que você precisa é apenas de um empurrãozinho, umas dicas aqui e ali, ler algum livro sobre técnicas para organizar seu trabalho, ou quem sabe fazer uma oficina de escrita de ficção para transitar do "quase" para o "realizado". E se você não é um destes... então me desculpe, mas sugiro que retorne ao seu antigo emprego, pois ninguém merece trabalhar em algo que não consiga amar! Um conselho: Algumas pessoas vão amar seu trabalho, outras vão odiá-lo; alguns editores dirão "não", outros (em menor número, mas se você insistir sempre encontrará estes) dirão sim; a família e os amigos vão reclamar de seu tempo ausente depois vão se orgulhar de seu trabalho; mas as frustrações serão menores e as vitórias serão mais saborosas de você SEMPRE se lembrar de sua motivação. E sejamos realistas: existe alguma profissão que só tenha louros? Se tiver por favor me contem, assim poderei continuar como escritor. Afinal, faço o que faço pelo prazer de fazê-lo! :)
E você, o que o motiva a escrever? O que o faz retornar à escrita depois das inevitáveis desilusões? Compartilhe sua opinião com os colegas de profissão!
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2 comentários:
Você é bem diferente desses "escritores" que publicam de graça nesses sites onde só os donos ganham com anúncios, né? Você cobra pra dar conselhos... Hum... Será que existe muita gente entra nessa? Deve haver pois nesse mundo tem bobo pra tudo... Ainda bem que eu desisti de ser escritor. Só o fato de existir milhões de textos publicados de graça me fez abandonar a nobre carreira. E, por isso mesmo, eu não acredito que ganhar pra publicar seja tão fácil como você sugere. João
Tenho pena de quem desiste tão fácil de seus sonhos, João.
Você deve saber que não cobro nada pelos meus conselhos, e se você desistiu só porque há outros conseguindo publicar de graça, é apenas porque seu sonho está em outro lugar. Quem escreve porque ama não se incomoda se vai ganhar dinheiro ou não, a satisfação maior está em se expressar, em colocar sua voz para ser ouvida.
E você colocou um ponto muito importante, obrigado: Se em algum momento escrevi ou dei a entender que é fácil ganhar dinheiro para publicar, então deixe-se ser mais claro: NÃO é fácil.
Viver de escrever é um caminho árduo e longo, mas é o único caminho possível para quem tem alma de escritor.
Valeu!
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