18 de outubro de 2019

“Sou uma fraude!” - Como lidar com a Síndrome de Impostor?

H
oje trazemos mais uma contribuição para o Vida de Escritor, do amigo escritor e ativista cultural T. K. Pereira, sobre um tema complexo de se lidar - até porque acredito que todo escritor, em um ou outro momento da carreira, já se sentiu desta forma.  Falo da Síndrome do Impostor.

O problema adquire tons dramáticos quando ele se torna um obstáculo, promovendo uma das formas do temido bloqueio do escritor, onde o autor, por medo de não ser bom o bastante ou por excesso de preocupação com a qualidade do que escreve, acaba ficando paralisado e deixa de produzir.


Faça também parte do Vida de Escritor: Se você tem alguma experiência ou conhecimento que gostaria de compartilhar com os colegas escritores brasileiros e portugueses que acompanham o blog, envie sua contribuição!

Agora, com vocês, T.K.Pereira:


Já se questionou se escrever é mesmo algo que você realmente deveria estar fazendo? Releu um de seus textos e se pegou pensando que ninguém se interessaria por aquela porcaria? Comparou-se a algum escritor e sentiu-se um embuste sem talento? Caso tenha respondido sim para qualquer uma dessas perguntas, talvez você tenha experimentado a Síndrome de Impostor.

O que é Síndrome de Impostor?
A Síndrome de Impostor é um estado mental, uma espécie de crença interna e ilusória de que não se é bom o bastante em algo. Trata-se de um fenômeno mundial estudado há mais de quarenta anos, presente tanto em homens quanto mulheres, mais comum em ambientes profissionais. Este auto boicote pode ser ocasionado por diversos motivos, desde a forma de criação do indivíduo até situações inesperadas e passageiras.

“Não consigo escrever!”
Síndrome de Impostor NÃO é bloqueio de escritor. Sentir-se bloqueado é não saber sobre o que escrever, por exemplo. A Síndrome te leva a questionar por que diabos você insiste em escrever, pra início de conversa. Ou seja, a Síndrome é mais sorrateira e perigosa. Ela pode te impedir até de começar a escrever.
Em escritores, a Síndrome pode se manifestar de duas formas principais. A primeira é após a conclusão de um texto ou até mesmo de um livro. Você olha para aquele trabalho finalizado e questiona a qualidade dele, que valor poderia ter para alguém além do próprio autor (às vezes, nem mesmo para ele).
Nesse caso, uma forma de driblar ou lidar com a Síndrome é buscar apoio externo. O retorno de amigos sinceros e colegas escritores mais experientes pode contribuir para aliviar a pressão sobre seus ombros e auxiliar sua evolução.

Perfeccionismo paralisante
A segunda manifestação da Síndrome é mais alarmante: é deixar-se paralisar totalmente pelo sentimento de fraude. Por exemplo, intimidar-se pela comparação a outros livros ou escritores em diferentes estágios da carreira, ao invés de inspirar-se neles.
É muito comum distrair-se tanto com o que outros escritores andam fazendo por aí que você não escreve absolutamente nada. Pode ser medo de não ter nada a dizer, de ser inadequado, ou apenas de não ser tão bom quanto eles. Esse pensamento geralmente te leva a retrabalhar eternamente um original, a nunca terminar nada que começa, ou ainda pior, jamais começar.
É difícil se libertar dessas amarras, mas não impossível. Pra começar, seria interessante cortar tudo o que perceber estar te prejudicando de escrever: sair das redes sociais ou parar de ler entrevistas ou assistir a vídeos sobre o sucesso daquele seu escritor favorito, por exemplo.

Voltando ao que importa
Liberte-se de tudo o que te faz mal e foque no que te fortalece. Parece clichê de autoajuda, certo? Em outras palavras, corte as influências externas negativas e procure se fortalecer com aquilo que importa: livros. Leia o que quiser, leia gêneros favoritos, leia autores novos (deixe seus ídolos de lado por um tempo).
Esqueça aquela vontade de escrever por enquanto e reconecte-se com o que te fez querer ser escritor em primeiro lugar, ou seja, o amor pela leitura. Você notará surgir, naturalmente, a urgência interna de converter seus próprios pensamentos em palavras, de contar suas próprias histórias.
Quando sentir a vontade de escrever refortalecida dentro de si, mãos à obra. Pegue caneta e caderno, abra o notebook, o celular, dê vazão ao ímpeto. Não esquente com temas, estrutura, mercado, nada disso. Deixe sua energia e o apreço pelo ofício fluir da forma e pelo tempo que for.

Fortalecendo-se
Tudo isso funcionou para mim, mas apenas até certo ponto. Foi preciso ir além. Não vivemos numa bolha. O escritor precisa viver, se conectar com pessoas, situações, dilemas e discussões, estar em contato com a diversidade do mundo. Mas é importante que o escritor proteja suas convicções, não necessariamente de ideias, mas sobre si mesmo.
Uma excelente forma de voltar a se conectar com a vida além da escrita solitária são as oficinas literárias. Elas te permitem travar contato não apenas com técnicas, mas também com a vivência, os dilemas, as angustias e várias outros aspectos do que significa ser escritor.
Textos produzidos em oficinas literárias costumam ser avaliados e debatidos por colegas que se identificam com suas dores e lutas. Essa reciprocidade entre escritores pode ter auxiliar a sair do ciclo de auto depreciação que te impede de escrever.
As aulas, discussões, desafios, críticas e evoluções acabam se revelando comuns a inúmeros escritores nesses ambientes. Você verá que não está sozinho em seus meus medos, dilemas e desafios.

Esteja atento!
Não ouso dizer que estou curado da Síndrome de Impostor, se é que existe cura. Não creio que ela vá embora definitivamente. Mas ao menos hoje ela não me assusta tanto quanto antes e, mais importante, não me paralisa.
Recentemente, a Síndrome quase me impediu de publicar meu primeiro livro de contos, “Vozes”. Graças a essa mudança de mentalidade e atitudes, e, especialmente, ao fato de ter me cercado de bons e sinceros amigos, hoje tenho convicção de que jamais deixarei de fazer o que mais amo. Seguirei dando a cara à tapa, aprendendo, evoluindo e, na medida do possível, tentando ajudar outros a fazer mesmo.

Ah, e minhas “Vozes” serão publicadas. A pré-venda pelo Catarse se encerra neste sábado, dia 19/10/19, à meia-noite. O livro sairá mesmo que a meta não seja atingida, mas quanto mais enchermos aquela barrinha, mais livros serão impressos. Convido você a dar um pulo lá na página, apoiar e garantir sua cópia.

Sobre o autor: T. K. Pereira, organizador do projeto 7 coisas que aprendi, projeto que reúne mais de 100 depoimentos de escritores sobre o ofício, autor do livro de contos “Vozes” (Caos e Letras, 2019), em pré-venda no catarse.me/livrovozes até o dia 19 de outubro. Site oficial do autor: tkpereira.com.br

Um comentário:

Alexandre l. disse...

Magnífico texto. Quantos de nós convivemos com esse pesadelo. Hoje me vi nesse texto e sempre imaginei que eu vivia sozinho nesta bolha.