5 de maio de 2010

As incríveis memórias de Samael Duncan - Cila, Parte II

Continuando com a pausa nas dicas para escritores, segue a segunda parte do capítulo 2 do livro em que estou trabalhando. Vou publicar trechos maiores, então teremos apenas mais 2 partes depois desta. Aceito críticas e comentários! :)
Veneza, Itália, verão de 1927. Caminho maravilhado pelos passeios da cidade. Meus olhos procuram detalhes, indo bem além da Piazza San Marco e da catedral de San Giorgio Maggiore, perdendo-se em becos estreitos e alamedas meio submersas, onde gôndolas e caponeras colorem as ruas outrora povoadas por cavalos e carruagens. Admirava-me o fato de os andares térreos de todos os prédios encontrarem-se parcialmente submersos, sendo o acesso realizado pelo primeiro andar; nível no qual se encontram as atuais calçadas e pontes. Em alguns pontos da cidade, mesmo o primeiro andar perigosamente se aproximava da água. O fim do longo dia me surpreende andando pela periferia da cidade, na Via de San Lorenzo, onde uma pequena feira que se estende até a Via Borgolocco vende peixes e frutas, além de delicados artesanatos em vidro criados por caprichosos sopradores e tecidos crus bordados por gordas matronas sorridentes. Procurando o caminho à hospedaria onde estava passando as noites, passei por uma casa abandonada e, ao cruzar uma estreita ponte sobre o que outrora provavelmente fora uma rua comercial, um ponto de luz me chamou a atenção. De cima da ponte, pude reparar que a luz bruxuleante de uma vela iluminava as vidraças meio cobertas pela água do andar térreo da antiga habitação. Movido por um estranho sentimento, como se algo me levasse a tal, retrocedi sobre meus passos e sem muita dificuldade adentrei na construção abandonada, cuja porta havia sido substituída por duas tábuas pregadas no batente, em um grande xis. O chão antigo rangeu perigosamente sob meus pés quando, buscando as partes mais sólidas, aproximei-me de uma escada de pedra que descia para o andar inferior. Com meu italiano arrastado, aprendido anos antes nos parreirais do sul da Itália, perguntei se havia alguém por ali. A resposta atingiu-me com uma força que não posso descrever, pois antes mesmo que meu cérebro entendesse a ordem para sair dali; minhas pernas já haviam começado a se mexer, como se tivessem vontade própria. Foi quase na porta de saída, com o coração aos saltos, que finalmente comecei a decifrar o que havia sido falado. Era um som estranho, conflituoso, que apesar de claramente ter sido dito apenas por uma pessoa, chegara a meus ouvidos como se duas vozes houvessem ordenado simultaneamente que eu saísse. No entanto, apesar de nenhuma palavra ter sido dita, eu sentia como se uma terceira voz tivesse me sussurrado aos ouvidos: “Ajude-me”. Foi esta terceira voz, apenas pressentida, que me fez cautelosamente retornar, parando novamente à beira da escada e falando, agora com um tom mais gentil, que eu não queria incomodar, mas oferecer ajuda. Novamente, a estranha voz veio do andar inferior, meio coberto de água. Mas desta vez pude perceber claramente que apenas uma voz falava, num tom quase rouco de velhice, mas que deixava entrever tratar-se de uma mulher: “Saia daqui! Não quero ajuda!”. E, embora as palavras fossem inequívocas, o tom de desespero na voz era agora ainda maior do que antes. Pedi licença e desci os negros degraus.

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