6 de junho de 2012

Dúvidas de Escritores: Ponto de vista, cenas, cliffhangers...

A
ntes de atender a alguns pedidos para falar sobre assuntos específicos, como cliffhangers e jumpcuts, gostaria de compartilhar com vocês alguns trechos de uma mensagem que troquei com um colega escritor, a respeito de um trabalho de leitura crítica que fiz para ele.  Como algumas de suas dúvidas são muito comuns, acredito que muitos autores se beneficiarão desta "espiada" na conversa!
Detalhe: Para não dar detalhes da história avaliada, alterei os trechos que mencionavam nomes ou situações específicas.

Tenho umas dúvidas sobre o ponto de vista. Entendo que é necessário manter o ponto de vista que foi definido. Mas até onde devemos ir com isso? Você disse que o <personagem>  não veria suas próprias bochechas. Verdade. Quem viu foi o narrador. Mas ele existe, não? O narrador enquanto “criatura” desvinculada do <personagem>. Ele poderia “ver” as bochechas e comentar, não poderia?  Ou essa coisa de ponto de vista deve ser levada ao extremo? No caso, ele, o narrador, está preso dentro do <personagem>?
Resposta:  Vamos lá: se você quiser escrever para o mercado Americano, os cuidados com o PDV (ponto de vista) devem ser levados “ao extremo”, como você colocou. Lá, boa parte, talvez a maioria dos agentes e editores simplesmente abandona seu livro se você “erra” no PDV, pois essa é uma indicação clara de que o escritor não é profissional.  Sendo mais claro: O PDV de cada cena é uma câmera presa na testa do protagonista daquela cena; e esta câmera só tem acesso ao mundo pelos 6 sentidos do personagem: os 5 usuais + suas impressões e percepções. 
 Assim, em uma cena com PDV do < personagem>, não posso falar das bochechas dele, a menos que ele se olhe no espelho, mas posso falar da dor das bochechas e dela imaginando que elas estariam mais vermelhas que o usual, por exemplo.  O “narrador” como “figura independente” pode existir sim, como, digamos, uma “mosquinha na parede” que vê tudo através daquele PDV; mas neste caso ele não poderia falar sobre sentimentos ou impressões de nenhum dos personagens.  Também existe um “narrador onisciente”, mas é muito raro e quase todo escritor o evita, pois é fácil deixar a história confusa com este artifício. “O valor da leitura crítica para o autor é ouvir a posição de um leitor que não tenta agradá-lo - pelo contrário, procura falhas que possam comprometer seu original"
Agora, como falei, isso é “se você quiser escrever para o mercado americano”.  O mercado nacional é cheio de livros de sucesso, publicados por grandes editoras, que não seguem este padrão – o que não necessariamente quer dizer que alguma coisa, apenas que nosso mercado, por enquanto, é menos exigente que o americano, e que nossos editores são menos críticos, orientam menos os autores quanto a isso.  O problema é que o leitor cada vez mais vai desenvolvendo um sendo crítico, então coisas que eram aceitas a 50 anos aos poucos vão sendo vistas como impropriedades, pelo que sugiro que você tente seguir a regra do PDV quanto puder.
E uma coisa que não podemos falar para novos autores, mas vou falar assim mesmo:
A única regra realmente verdadeira é que você não pode causar estranhamento ao leitor, não pode deixá-lo confuso em nenhum momento. Todas as outras regras são só para garantir isso, então você pode quebrá-las, desde que saiba como fazê-lo sem ferir a regra principal.

Num filme, me parece que a câmera transita pelos personagens com mais desenvoltura. Me parece que na literatura isso é mais difícil. É isso mesmo?
Resposta: na verdade, a “desenvoltura” é exatamente a mesma, a meu ver. O problema é que no cinema há várias mudanças de câmera em uma cena, mas imagine um filme onde a câmera, em um diálogo, ficasse saltando do ponto de vista de uma pessoa para o da outra a cada fala: provavelmente o leitor ficaria confuso, ou pelo menos seria uma tomada pouco usual.  Na literatura se mudou o local, ou tempo, ou o ponto de vista, muda a cena; e cada cena precisa ter uma ação (física) bem definida, um obstáculo a ser superado, a resolução e uma reação (psicológica).  Mas, de novo, estas são características de uma cena de um romance, em contos a coisa pode ser bem mais solta.

Você assistiu O Silêncio dos Inocentes? A câmera fica entre o Hannibal e a Clarice o tempo todo, mesmo sendo a Clarice a protagonista.
Resposta: Sim, e isso não é problema: o protagonista da história ou filme é independente do protagonista da cena.  Neste filme, por exemplo, nos momentos em que aparece a mulher presa no poço dentro da casa do psicopata que a Clarice quer capturar, o protagonista de cena é a refém; quando aparece o psicopata se arrumando frente ao espelho, o protagonista de cena é ele.

O que achou dos finais de cada capítulo? Tentei colocar um suspense no final de cada um. Tipo. "E então ela ouviu uma voz"... Uma espécie de tchan tchan tchan tchan.... Queria que o leitor se perguntasse "Oh Meu Deus! O que ela ouviu?" e corresse para o próximo capitulo. Fiz isso em praticamente todos os capítulos. Mas me pergunto se esse truque, meio de final de novela, ficou muito óbvio.
Resposta: Esta técnica se chama cliffhanger, e por incrível que pareça não é “óbvia” para o leitor. Romances “page-flippers” que o leitor não consegue largar ao começar a leitura, como “O Código da Vinci” ou o meu “O Nome da Águia” usam esta técnica bastante bem. Mas você precisa tomar cuidado para não exagerar, e nem para não errar o ponto.
Por exemplo, veja a diferença:
“Olhou para o carro e viu algo que o fez esquecer imediatamente a dor e o medo. O carro estava em chamas!” -> Não tem suspense
“Olhou para o carro e viu algo que o fez esquecer imediatamente a dor e o medo.” -> Suspense: o que será que o fez esquecer de tudo?

Quem quiser mais detalhes sobre o que é este trabalho de leitura crítica basta ler este post, e para contratar o trabalho basta entrar em contato comigo para discutirmos os detalhes.
Semana que vem estamos de volta!

Gostou?  este post!

8 comentários:

Ciano disse...

Quando eu houver terminado meu livro quero muito, muito, muito mesmo que você faça uma leitura crítica! Mas é muito caro esse trabalho?

Douglas disse...

Novamente o blog com dicas interessantes e construtivas, para a pratica da escrita.

A cada dia tenho me interessado mais pelo assunto estou escrevendo em um blog.

Quero escrever um livro e gostaria de uma dica, o livro que estou montando é um pouco grande em detalhes onde o protagonista vai viver 4 ou cinco histórias em tempos diferentes e interligadas, o que seria melhor para um iniciante dividir a história em dois livros ou deletar o máximo possível de cenas?

Alexandre Lobão disse...

Oi Lucas,
O custo da leitura crítica depende muito de quem faz. Há quem cobre valores fixos, combinados com o autor conforme a complexidade do trabalho e sem parâmetro algum para o cliente saber como o valor foi calculado; e há quem cobre da mesma forma que a revisão: por palavras ou páginas.
Por baixo, calcule aí um centavo por palavra que você terá uma noção de quanto pode sair o valor da leitura crítica para seu trabalho.
[]s!

Alexandre Lobão disse...

Oi Douglas,
Para um iniciante, eu diria que o ideal é começar pelo simples, que após o primeiro livro ele terá uma melhor dimensão dos desafios e de suas forças para vencê-los! :)
De forma básica, um livro deve ter: Um protagonista, uma situação inicial, um grande "objetivo de vida" do protagonista, um antagonista (que é quem vai atrapalhar o protagonista no atingimento deste objetivo) e o objetivo de vida deste antagonista (o que ele deseja, e porque isso atrapalha o antagonista?). Se você consegue responder objetivamente a estas perguntas, você terá UMA história, e não quatro ou cinco; mesmo que esta história passe por diversas, digamos, "sub-histórias". Só não vale fazer o objetivo do protagonista nestas "sub-histórias ser maior ou mais importante que o da história principal!

davidson disse...

Lobão, eu estou fazendo um livro cujo personagem principal,não tem escrpulo nenhum, sendo que em muitas cenas ele chega a superar o antagonista da historia em termos de peversidade, você acha que algo assim seria bem aceito pelos leitores do brasil?

Alexandre Lobão disse...

Oi Davidson,
A resposta correta para este caso é: Depende.
Meu filho comprou recentemente as 20 edições do mangá "Hellsing", e estou lendo até para saber de que a juventude de hoje gosta; e nesta história (que tem muitos leitores fiéis) acontece justamente isso: o protagonista muitas vezes é mais cruel que seus antagonistas.
Voltando à literatura, a característica mais importante do protagonista é que os leitores precisam ser capazes de ter empatia por ele, devem se preocupar com seu destino e, em certa escala, sentir que eles têm algo em comum com este personagem. Se isso está garantido, as demais características são, digamos, secundárias.
Obviamente, fazer alguém se importar, simpatizar e achar que tem algo em comum com um personagem mau ou perverso é um desafio muito grande, e qualquer deslize pode tornar sua história pouco aceitável pelos leitores.
Cuidado! :)

davidson disse...

As editoras avaliam a idade do autor para decidir se vale apostar na historia dele...tipo, eu queria saber se no Brasil, mesmo se a pessoa for jovem há chance dela obter um contrato

Alexandre Lobão disse...

Oi Davidson,
Não acredito que uma editora possa usar a idade do escritor como critério; exceto caso ele seja muito novo e esteja fisicamente na editora, para o editor olhá-lo e poder ter algum tipo de preconceito.
Como normalmente o primeiro contato da editora vai ser com o livro, e não com o autor, o leitor crítico (que seleciona os livros) nem vai saber a idade de quem escreveu. E quando o original for aprovado, a idade já não fará mais diferença...