10 de julho de 2014

A Copa do Mundo e a Síndrome do Herói


ão, este não é mais um dentre tantos milhões de posts, tweets e curtidas sobre a copa.
Mas não pude deixar de escrever sobre as reflexões que me foram praticamente impostas pelas (impensadas) divagações de comentaristas oficiais e populares, na TV e na web.
Assim que o jogo acabou, ou provavelmente antes disso, os vários "donos da verdade" começaram a estabelecer de quem era a culpa do suposto vexame - usualmente do técnico da seleção, como se o técnico estivesse não apenas orientando o time, mas também chutando, driblando, cabeceando, defendendo o gol e por aí vai.
Ora, não vou entrar nesta armadilha de debater sobre o mérito da mistura que o brasileiro faz entre futebol, política, patriotismo, orgulho e até mesmo vida particular, o que quero destacar aqui é a relação deste comportamento com a processo de criação literária!
"A estrutura de um romance não pode ser um trilho que prende a criatividade do autor, mas sim uma trilha que a guia"
Ora, se algo deu errado, e aparentemente deu, a culpa não é de um ou de outro, mas de toda a equipe.
No entanto, parece ser natural ao brasileiro procurar sempre UM indivíduo para glorificar ou crucificar, um herói ou um vilão responsável pelo sucesso ou fracasso de qualquer empreitada. É o que chamo de "Síndrome do Herói".

Isso funciona muito bem no mundo mítico e literário, onde as histórias são sobre ALGO que aconteceu a ALGUÉM.  E embora você possa - e deva - escrever romances com diversas tramas intercaladas, sem um único protagonista aparente, a premissa continua sendo a mesma: cada trama é uma história única, com seu protagonista particular.

Isso ficou bem claro nos estudos de Joseph Campbell, que em 1949 lançou seu livro "O Herói de Mil Faces" onde ele, a partir da análise de diversos mitos, apresenta não apenas um conjunto de arquétipos (ideais para apoio na construção de personagens...) comuns, mas também uma estrutura comum a todos os grandes mitos da humanidade, que ele batizou de "A Jornada do Herói".

Quase meio século depois, Christopher Vogler (curiosamente nascido em 1949), então trabalhando para os Estúdios Disney de cinema, fazia o trabalho de avaliação de roteiros candidatos a produção quando teve contato com o trabalho de Campbell. Com o objetivo de facilitar seu trabalho, a partir dos escritos de Campbell produziu um guia sobre como avaliar roteiros, de apenas sete páginas, mas que trazia sua visão da essência da "Jornada do Herói" e seus arquétipos.  Este trabalho evoluiu e, alguns anos depois, transformou-se no livro "A Jornada do Escritor", onde ele apresenta uma versão simplificada da Jornada do Herói e dos vários arquétipos do estudo de Campbell.

Estes trabalhos são, a meu ver, um primeiro e importante passo para quem deseja conhecer um pouco mais sobre como estruturar melhor uma história, o que é essencial para torná-la não apenas mais interessante para os leitores, mas também mais coesa para o escritor e mais atrativa para possíveis editores.

Pois é, chamem-me de esquisito, mas foi isso que me veio à cabeça quando vi a grande quantidade de brasileiros que procuram um único culpado para a derrota em um jogo de equipes, sem nem ao menos perceberem o absurdo de suas ponderações.  Diferente do mundo literário, o real é feito de infinitas interações, e portanto (quase?) nunca a responsabilidade de algo que acontece pode ser atribuída a apenas uma pessoa.

E para quem estiver se perguntando se isto de "procurar um culpado" não seria um comportamento natural de todo ser humano: não, não é. Na Suécia e na Dinamarca, por exemplo, um indivíduo que assume sobre si o ônus ou missão de tentar salvar o mundo sozinho não é um herói, é simplesmente um burro, pois os melhores resultados são sempre atingidos em equipe.  E não sou apenas eu que tenho experiências que comprovam isso: Christopher Vogler comentou a mesma coisa, após palestrar naqueles países apresentando sua "Jornada do Escritor".

Então, esqueçamos a busca por culpados e procuremos a busca por heróis - mas apenas em nossos livros, onde isso faz sentido!

E você, estrutura suas ideias antes de escrever? Como é seu processo de escrita? Comente e compartilhe com os colegas de profissão!

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