21 de outubro de 2020

Como criar bons personagens sem esforço

 Uma das grandes dificuldades, principalmente em autores iniciantes, na criação de personagens é saber o que é realmente importante no momento desta criação.  Se você gasta muito tempo e esforço, por vezes chega até a desanimar e parte do trabalho pode ser desperdiçada, se gasta pouco tempo, os personagens podem ficar pouco convincentes.

E não falei "autores iniciantes" à toa: realmente é difícil chegar a este equilíbrio quando não se tem experiência.  
Para tentar diminuir o tempo desta curva de aprendizado, vou destacar alguns pontos que podem fazer diferença neste momento.

Antes de entrar na questão do equilíbrio, vou falar bem brevemente de algumas ferramentas para ajudar a criação dos personagens, e algumas de suas características.

Ferramentas para criar personagens

  • Mapas Mentais: Muito útil para começar a criação, de forma não estruturada. Você escreve o nome do personagem no meio e começa a criar nós no gráfico, com os grupos de características que acha importante para seu seu livro, por exemplo "Características Físicas", "Relacionamentos", "Vida Profissional" etc.. Depois, vai criando os sub-grupos os características. Há várias ferramentas pagas e gratuitas para a criação destes mapas, a que eu uso é uma gratuita, que me atende bem, a Freemind.  Também pode ser utilizada de forma estruturada, caso você tenha um modelo de mapa e o use para criar mapas semelhantes para vários personagens. 
  • Questionários: A ideia dos questionários é oferecer uma visão compreensiva, completa, das características externas do personagem, ou antes "externamente perceptíveis". Assim, um questionário pode ter coisas como "cor dos olhos" e "cor dos cabelos", e também algo como "Meta de vida", "religião" ou "Principal característica psicológica".   
  • Entrevistas: As entrevistas, em oposição aos questionários, servem para explorar o mundo interior do personagem, e ao invés de respostas objetivas a ideia é realizar perguntas cuja respostas sejam pequenas histórias.  Por exemplo, "Conte como foi a primeira vez que você se apaixonou", ou "Conte o que aconteceu, e como você reagiu, na primeira vez que você ...".  Também é possível fazer uma entrevista não estruturada, gerando novas perguntas segundo os pontos que forem aparecendo nas respostas.  O ideal é escrever todas as respostas, mas alternativamente é possível simplesmente gravar as respostas, respondendo cada questão em voz alta porque a verbalização ajuda a definir melhor o perfil do personagem. 
  • Fichas de personagens: A ficha é uma das ferramentas mais comuns para criar personagens, e em essência é um mix entre os questionários e entrevistas, com algumas perguntas objetivas e outras mais subjetivas.

Quando usar cada ferramenta

O grande problema de praticamente todas estas ferramentas (com a honrável exceção dos mapas mentais) é que definir um personagem acaba gerando um esforço grande. Como então chegar ao equilíbrio?  Vamos a alguns pontos importante que você precisa ter em mente:

  • Nem todos os personagens são iguais: Tenha em mente que você não deve detalhar os personagens da mesma forma.  Os protagonistas e antagonistas precisam ser mais detalhados, mais reais; os secundários podem ser mais simples; já os de apoio podem até mesmo ser estereotipados, desde que não de forma exagerada.  Em termos de características psicológicas, os principais devem ter algo em torno de 3 características mais fortes, e um arco de mudança em que estas características evoluem durante a trama; já os secundários funcionam bem com 2 características e, eventualmente, um arco simplificado de mudança.  Os de apoio têm usualmente uma característica psicológica, e não mudam.  Sabendo disso, não perca tempo fazendo entrevistas, por exemplo, para todos os seus personagens! 
  • Nem todos os livros são iguais: O óbvio precisa ser dito: em livros infantis ou infanto-juvenis os personagens são MUITO mais simples; muitos dos personagens que criei para este público são perfeitamente definidos com um mapa mental e uma ficha simplificada.  Mas mesmo entre romances o aprofundamento dos personagens muda; há romances mais realistas ou com foco em personagens que demandam personagens reais, com vida própria e profunda, e para estes você realmente vai precisar deixar a preguiça de lado e escrever muito na etapa de definição para que seu personagem ganhe o coração dos leitores.  Já para romances de ação, estilo "007", os personagens são bem mais simples. Em se tratando de roteiros de longa metragem, é essencial a realização de questionários e entrevistas extensos, para dar ao ator ou atriz toda a bagagem necessária para "entrar no personagem".  
  • Use as ferramentas de forma encadeada e progressiva: Todo personagem merece um mapa mental. Os secundários merecem um questionário simplificado, e talvez uma ou outra pergunta de entrevista a respeito de suas características principais. Os protagonistas e antagonistas merecem questionários e entrevistas mais completos.  De qualquer forma, comece sempre pelos mapas mentais, depois responda nos questionários ou fichas as perguntas que fizerem sentido conforme o contexto de seu livro, e por fim parta para as entrevistas, assim o trabalho fica mais coeso e os personagens mais coerentes.  
  • Defina os personagens durante o correr da história: Se você gosta de "sair escrevendo", monte os mapas mentais e parta para o trabalho. Não é uma boa abordagem para romances, porque assim os personagens ficam meio "chapados" no início, sem muita vida, mas aos poucos eles vão adquirindo profundidade.  Se você for seguir esta abordagem, não esqueça de voltar às suas anotações e registrar respostas nos questionários toda vez que faltar uma informação objetiva sobre seu personagem, e escrever uma pergunta e resposta nas entrevistas toda vez que sentir que determinada situação merece um "background psicológico" para o personagem. Por exemplo, se de repente você percebe a necessidade de seu personagem ter um determinado medo ou complexo para dar origem a uma cena qualquer, volte e escreva a origem deste medo ou complexo. O leitor nunca vai ler esta história (a menos que isso seja significativo para o livro), mas ao escrever seu personagem soará mais verdadeiro se você escrever esta história antes de escrever a tal cena. 
  • Aproveite perfis de amigos e conhecidos, escreva só o diferencial: Bons personagens são verdadeiros, agem como pessoas verdadeiras. Ora, então um bom "atalho" na criação de personagens é utilizar algum conhecido seu como base. Pode ser um amigo, familiar, ou mesmo uma pessoa pública que você acompanhe mais de perto. O importante, neste caso, é NÃO "copiar" a pessoa, mas se inspirar nela, incluindo alguns elementos que diferenciem seu personagem. Já vi amizades acabarem pelo "uso indevido" de uma pessoa, e olhe que ela era retratada um bom personagem! Se for alguém próximo, uma boa ideia é informar a pessoa antes, e já explicar que é mera inspiração, que não é um retrato nem sua opinião sobre ela - pelo menos é o que eu faço!

    Esta técnica de utilizar amigos e conhecidos também pode ser utilizada para dar um "toque final" aos seus personagens, como destaca a escritora norte-americana Cassandra Clare, autora da série Os Instrumentos Mortais:


"Criar personagens é como reunir ingredientes para uma receita. Eu pego características que eu gosto e desgosto em pessoas reais que conheço, ou de quem sei algo a respeito, e as uso para embelezar e definir personagens" 



Como falei, nada substitui a experiência, mas espero que estas dicas pelo menos mostrem o caminho das pedras sobre o qual a experiência poderá ser construída de forma mais rápida. 

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