este post, cometerei o pior pecado que um escritor pode cometer: "tirar um coelho da cartola". Como já falei anteriormente (em "O que é leitura crítica", por exemplo), logo nas primeiras páginas do livro o escritor estabelece um pacto com o leitor, onde o autor apresenta as regras do universo onde a história acontecerá, e o leitor "suspende sua descrença", aceita estas regras como verdade para aquele universo. Estas regras devem ser seguidas pelo autor até o final da história, sob a pena de quebrar do pacto e, consequentemente, perder os leitores. Exemplo? Imagine se, lá pelo terceiro ou quarto livro da série Harry Potter, J.K.Rowling fizesse o protagonista descobrir que sobrevivera quanto bebê ao ataque de Voldemort porque seus pais não eram bruxos, mas alienígenas... | |
Se você acha que isso iria transformar a história em um lixo, parabéns, você entendeu o conceito de "tirar um coelho da cartola", mostrar algo totalmente inesperado e, com isso, quebrar a suspensão da descrença. Claro que, no caso do "passo a passo" que estamos fazendo, este crime é perdoável, até porque não estamos escrevendo uma história. | escrever bons personagens é "colocar ameixas reais em um bolo imaginário" Mary McCarthy, escritora e crítica americana |
Em uma revisão rápida, os passos que sugeri para escrever seu romance foram: Escrever a premissa ("Primeiras coisas primeiro"), organizar a estrutura da história ("Preparando a estrutura" e A necessidade da estrutura na escrita de romances), escrever a lista de cenas em ordem cronológica ("Pronto, já montei a estrutura do meu romance... e agora?") e finalmente escrever um primeiro rascunho das ações que ocorrerão no livro (no post anterior a este). O que temos neste momento é o que chamamos "primeiro tratamento", a história crua, com as tramas organizadas e as ações encadeadas. Para fazer o segundo tratamento, precisamos agora "costurar" estas linhas de ação com emoções, metáforas, reações e diálogos típicos de cada personagem, coerentes com suas personalidades. O problema é que deveríamos ter preparado o perfil dos personagens logo depois da premissa - daí o "coelho na cartola" que mencionei antes. Sem problemas: voltemos no tempo e coloquemos um passo "1 e meio" na lista de passos, para escrever estes perfis logo após a escrita da premissa. Já escrevi um post razoavelmente detalhado sobre a criação de personagens, onde falei da importância dos personagens terem um passado, gostos particulares, metas, etc. Por favor revejam ali esta visão geral, que é basicamente o que precisamos fazer logo após termos a premissa definida. O "pulo do gato" (este post está cheio de bichos...), no entanto, é que você vai, agora, escolher quais as características psicológicas marcantes de cada personagem; no máximo três por personagem (considerando que você não tenha muitos personagens; se tiver, baixe para duas). Porque este "número mágico"? Porque, nas primeiras dez páginas desde a primeira apresentação de cada personagem, ele precisa demonstrar, ou pelo menos dar uma dica, sobre cada uma destas características, e se você escolher mais que três este trabalho fica complicado. Mais do que isso: os personagens são modelos, ou arquétipos se preferirem, e não humanos reais, pelo que eles devem parecer humanos reais mas não podem ter toda a complexidade de um ser humano, sob a pena de ficarem incompreensíveis (ou simplesmente chatos) para os leitores. Isso não quer dizer que os personagem só devam ter estas características, ou que não possa evoluir durante a história, mas simplesmente que estas duas ou três características devem se sobressair, para aumentar a empatia com o leitor. Um personagem onde nada se destaca não fica na memória. Assim, por exemplo, se um personagem é guloso, você precisa mostrá-lo comendo com prazer ou, se preferir a abordagem mais sutil, fazê-lo admirar alguma comida na vitrine de uma padaria, ou mencionar algum cheiro gostoso de comida. Se um personagem é inteligente, mostre-o tendo uma boa idéia, ou carregando mais livros que os demais. Se é violento, mesmo que sempre pareça pacífico, mostre-o perdendo a paciência com uma situação boba no trânsito ou, em um churrasco, cravando a faca na tábua após cortar a carne. Sutilezas assim mostram o que há "por dentro" do personagem e preparam o leitor para o que vem. Definidas estas características básicas de cada personagem, no segundo tratamento inclua estas pequenas "dicas" do perfil de cada personagem, escreva ou ajuste os diálogos para serem coerentes com estas características, inclua metáforas sugestivas quando estiver escrevendo a visão que o personagem tem do mundo. Ao final do segundo tratamento, teremos "adicionado vida e emoção" às linhas de ação do primeiro tratamento, incluindo aí as características dos personagens. Esta abordagem pode parecer simplista, mas é extremamente útil para garantir que os personagens estão coerentes no correr da história. Há, obviamente, muito mais do que isso. Há diversos outros tratamentos que podemos - e devemos - fazer antes que o livro esteja pronto, inclusive alguns que tem copyright de pessoas que os formalizaram (como o querido mentor James McSill). Destes últimos não posso falar, mas ainda há muito o que explorar antes da obra estar 100% pronta - continuamos em breve. Como estamos quase terminando esta sequência de posts, peço que enviem sugestões sobre em que podemos nos aprofundar a seguir - espero seus comentários! |
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8 comentários:
parabéns! há uns tempos atrás, eu escrevi um minilivro e dei de presente para uma amiga, e era sobre como escrever, criar o enredo, personagens e tal. isso está muito bom! o meu ficou parecido. acho que você podia falar um pouco de como ressaltar as características físicas marcantes de cada personagem, o que às vezes sai forçado na mão de certos escritores.
Oi Ananda!
Está anotado aqui, vou preparar algo assim que possível.
[]s!
Oi adorei mesmo seu blog e vou visita-lo sempre, mas tenho uma duvida, comecei a esboçar meu livro escrevendo a história e as características do personagem principal e como tudo acontece com ele isso é errado?
Oi Daniel,
Não há "jeito errado" de escrever; no Workshop de Escrita de Ficção, que começa na semana que vem, iniciamos apresentando os diversos "paradigmas de criação", as diversas formas como escritores produzem suas obras; e depois entramos em técnicas de organização do trabalho que são úteis para quase todas elas.
Esta sua forma de escrever, pelo que entendi, é semelhante à minha: Eu defino os personagens, escrevo os pontos principais da história; depois eu detalho a história como um todo, escrevendo suas cenas (um guia sobre o que acontece em cada ponto, como um roteiro de cinema), e depois eu finalmente escrevo a primeira versão história.
É legal conhecer outras técnicas para que você escolha a mais produtiva e natural para você, mas como eu disse, não há "forma errada" de escrever!
Boa noite!!
O que posso dizer? Estou ingerindo, respirando, vivendo dos seus textos sobre a escrita... É simples e prático, e consigo ver o quanto você acredita do que está contando para a gente aí! Parabéns, continue!
Oi Amanda,
Obrigado pelas gentis palavras; estou meio lento nas postagens devido à pós-graduação que estou cursando e um conjunto de livros que estou escrevendo, e comentários como os seus é que me animam a seguir em frente.
[]s!
Oi estou começando a escrever o meu livro, gostaria de saber como posso organizar as ideias dos personagens??
Oi Fernanda,
Para começar a organizar suas ideias, o ideal (a meu ver) é você usar uma ferramenta para registro e organização como os mapas mentais. Veja um exemplo disso no post "Criando Personagens Melhores": http://dicasdoalexandrelobao.blogspot.com.br/2010/06/criando-personagens-melhores-e-o.html
E não deixe de ver outros posts sobre personagens, que podem também te ajudar: http://dicasdoalexandrelobao.blogspot.com.br/search/label/cria%C3%A7%C3%A3o%20de%20personagens
[]s!
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